sexta-feira, 31 de março de 2023

Não Seja o Juiz do Tribunal Alheio



O conceito de guilty pleasure é uma grande babaquice. Estamos tão acostumados a viver sob a vigilância do crivo alheio que esquecemos que temos o direito de gostar do que gostamos. Aqui me refiro a gostos pessoais, que fique claro, e nada que seja moral e eticamente questionável. Entenda que há limites.

Lembro com clareza média – como quase tudo na minha vida - de algumas situações corriqueiras, especialmente na infância e na adolescência, que me levaram a anos de eco mental da frase “mas que gente chata do cacete”. Um tema em especial até hoje me chama a atenção, e recentemente voltou à tona em razão dos 10 anos do falecimento do Chorão, vocalista do Charlie Brown Jr.

Eu não gosto de Charlie Brown. “AI BOTTINI, QUE SACRILÉGIO, O CAIÇARA QUE NÃO OUVE CHARLIE BROWN!”. É, fazer o quê. Absolutamente nada contra a banda, nem acho ruim, só não gosto. Conviver com isso na fase adulta – ainda que continue levantando questionamentos de gente sem noção – é muito tranquilo. Finalmente estou em paz com os meus gostos e sequer sinto vontade de querer justificá-los.

Mas quando se é novo, tentando estruturar identidade própria enquanto lida com as pressões do crescer, parece que a coisa vira uma espécie de morte em vida. Você existe, mas não é reconhecido como agente ativo. Como se aderir a certo movimento determinasse até a possibilidade de ser considerado pra fazer parte daquele ambiente.

Óbvio que o ser humano, enquanto ser social, está sujeito à formação do “eu” através da relação dialética com o mundo à sua volta, mas “negar” esse mundo também não é dialetizar com ele? Pensemos outro cenário de possibilidades.

Muitos amigos da cozinha gostam de comer nos McKings e CarroLanches da vida, e estranhamente isso é meio que um tabu, nem todo mundo admite abertamente. Por quê? Em certo aspecto, compreendo perfeitamente. Enquanto profissionais somos compelidos ao apego à técnica, que se oporia em absoluto ao mercadológico/industrializado.

Porém, vou contar um segredo pra vocês: tá cheio de chef de capa de revista usando caldo pronto de poliquímicos de sódio e outros vacilos ultraprocessados em prato de 200 janjos, mas cagando regra sobre como a equipe dele, cagada, cansada, mal paga e doente deveria se portar ou o que deveria consumir.

Enfim, é óbvio que se passássemos algumas horas abstraindo sobre a objetividade ou não do que pode ser considerado bom entraríamos em uma discussão completamente diferente, principalmente sobre a possibilidade concreta de todo mundo ter acesso ao que quisesse pra formar gosto, sobre o que quer que fosse, nivelado por cima. Mas esse não é o objetivo, agora.

Vim aqui só pra deixar minha pulga-atrás-da-orelha semanal pra quem perde tempo lendo o que eu escrevo, afinal de contas, gosto é gosto, e sendo assim, tenha a decência de, após essa leitura, evitar sair por aí questionando os outros. Provavelmente, a não ser que tenham pedido, ninguém liga muito pra sua opinião. Goste do que você gosta e deixa as pessoas. Tá tudo bem não ser juiz do tribunal alheio.

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