Depois do fim do
mundo, algumas coisas continuaram existindo. Convenientemente um bar foi uma
delas. Não tão convenientemente, eu também. Porra, mundo, sinceramente, nem pra
acabar direito! Decreto aqui e agora, isso é uma puta palhaçada! Infelizmente
não posso fazer muita coisa sobre isso além de seguir, então sigamos.
Acordei em frente a
ele, ainda atordoado, e com algum senso de que deveria ocupar o meu pós-tempo
com algo minimamente útil (ou não), levantei e entrei. Sem dúvida uma ótima
decisão pra’quela pseudo-noite (sei lá, o mundo acabou, nem saberia dizer se
ainda existe noite). Lá dentro, descobri que, além de mim, outras 7 pessoas
continuaram existindo.
As pessoas – não as
vivas, mas todo mundo que morreu, e totalmente por inveja – diriam que a
sobrevivência daquele grupo seletíssimo de humanos não fazia sentido, mas havia
um certo senso de sarcasmo universal, meio etéreo, que permeava a presença
daqueles pós-existentes.
Deepak Chopra rolava
no chão em silêncio, como alguém que tenta apagar um fogo que nunca existiu.
Rogério Skylab pedia cigarros, confuso e sem camisa, aos outros sobreviventes. Pablo
Villaça lia um roteiro em branco, à fim de elucubrar todos os não-conceitos que
aquele filme nunca traria ao mundo. Um cara com uma camiseta estampada “Lambada
Quente” dançava sozinho ao lado de um jukebox quebrado. O barman,
com seu mise en place impecavelmente montado, secava uma taça bordeaux.
Uma senhora de vestido amarelo e boné de loja de construção tomava uma cerveja
enquanto olhava profundamente consternada e ligeiramente confusa pra moça de
armadura medieval que bebia um mojito ao seu lado.
Como todos foram
parar ali? Nunca saberemos, mas também quem se importa? Eu não. Encarei essa
cena por alguns instantes, sem saber exatamente que protocolos sociais seguir,
e minha única reação – e talvez a única possível – foi sentar no balcão e pedir
uma dose de Martini Rosso. Beberiquei despretensioso e foi exatamente o que eu
precisava pra começar a colocar as ideias no lugar: uma dose de alguma bebida
esquisita pra compor com o clima meio chato de completa aniquilação da
sociedade.
Não soube exatamente o que pensar sobre aquela dose de Martini. Bom, sobre o que tinha acontecido com o mundo também não, mas sentado no balcão observando aquele grupo completamente desconexo e confuso de pessoas, não tinha motivos pra me preocupar com o sentido de nada. Dei mais um gole no Martini.
Senti uma batida no ombro. Skylab me pediu uma beiçada do que eu estava tomando. Muitas coisas acontecendo ao redor de uma bebida tão insignificante, pensaria o copo, caso ele fosse senciente. Passei o dito cujo pro Rogério e voltei a encarar o bar. O barman, excepcionalmente bem vestido pro apocalipse, exclamou com muito mais eloquência do que a devastação geral exigia:
- Gostaria de dizer ao senhor que é uma honra lhe servir. Todos aqui devem suas vidas ao que fez.
Finalmente uma coisa interessante pra distrair minha desolada mente pós-apocalíptica. O que exatamente eu tinha feito? Sem relação nenhuma com a dose mediana de álcool que corria no meu sangue, minha memória estava turva como uma lata cheia de chorume. Não só ela, mas absolutamente tudo parecia pouco claro até aquele momento. Perguntei o que aquilo queria dizer a resposta que recebi foi:
- Antes de mais nada, um cafezinho.
Sendo sincero, devia ter recusado o café. Frequentei bares o bastante na vida pra saber que não seria no último balcão da existência que eu beberia um café decente. Apesar de que, convenhamos, não estava em posição de recusar um café de graça. No primeiro contato do líquido com a língua, minhas suspeitas se confirmaram: o café tinha o gosto muito próximo daquela água que os pintores usam pra lavar os pincéis. É difícil explicar como eu poderia conhecer esse gosto, mas depois do Martini, do café e, obviamente, do fim do mundo, muitas coisas seriam difíceis.
Agradeci o barman, meio à contragosto do meu subconsciente, que preferia que eu jogasse a xícara na cara daquele cordial atendente. Ele, por sua vez, mesmo percebendo que me sentia envenenado por aquele gole de tristeza, comentou, com um sorriso no rosto:
- É natural que não se lembre do que fez, senhor, afinal de contas bater a cabeça em tamanha velocidade deixaria qualquer um tonto como um cabrito.
Ora, ora, mais um mistério. Tudo que o apocalipse precisava. Minha vontade de aproveitar todo o não-tempo que eu tinha disponível era grande, mas minha curiosidade pra tentar entender alguma coisa era muito maior. A única questão em jogo era qual dos três mistérios resolveria primeiro: o que eu tinha feito, por que eu bati a cabeça em alta velocidade e o mais misterioso de todos, como tanta gentileza fazia daquele barman uma pessoa tão irritante?
Nota sobre o fim do mundo
O mundo acabou em silêncio. Não um silêncio terno, de paz contemplativa. Era ensurdecedor, denso e opressor. Nosso protagonista muito provavelmente ainda não havia se acometido de que não havia mais nenhum resquício de humanidade pra além daquele bar.
Possivelmente tivesse algum fio de esperança de que poderia encontrar mais sobreviventes, mas não encontraria nada. Aquele pequeno grupo de pessoas era o que havia sobrado da humanidade, uma amostra insignificante de algo que nunca mais voltaria a existir. Dali em diante, apenas vazio, silêncio e o mundo, completamente indiferente ao fim de tudo que havia existido nele. Fim da nota.
- Por favor, me acompanhe, senhor – exclamou o barman enquanto pulava sobre o balcão exatamente como naquele clipe do Rick Astley. Os outros Apocalipsers1 interromperam brevemente suas não-atividades pra apreciar aquele movimento gracioso, no que ficaria conhecido por eles como o primeiro lampejo artístico após o fim da humanidade. E eu, sempre incapaz de desempenhar qualquer tipo de movimento que exigisse alguma destreza, só conseguia pensar “Ah, legal, ele TINHA que estabelecer um nível tão alto”.
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