domingo, 12 de março de 2023

Você Não É Uma Caloi: Crônica do Ciclismo Doloso



Em tempos recentes, ligeiramente à contragosto, porém firme no propósito de manter o corpo são pra lidar com a idade, que lenta e sorrateiramente vai demarcando seu território, resolvi adotar um hábito saudável.

Voltei meus olhos pra uma atividade que muito me agradava e há tempos não praticava com regularidade: o ciclismo. Como sou um tosco e gosto de inventar nomes esdrúxulos pras coisas, inaugurei na minha vida um novo quadro, o Ciclismo Doloso - Quando Há Intenção de Pedalar. São momentos prazerosos, os de pedalada. Isto é, quando escolho os momentos adequados pra adentrar o mundo selvagem das ciclovias santistas.

De uma forma geral, especialmente em dias úteis e fora de horários em que as pessoas estão saindo ou entrando no trabalho – posto que, considerando a planitude da cidade, a bicicleta não se reduz à mero artefato esportivo ou de lazer – o trânsito pelas ciclovias é consideravelmente fácil. Sim, temos o já famigerado problema de manutenção comum a qualquer via pública da maioria das cidades, mas de forma geral, aos menos nos caminhos que percorro, esse não costuma ser um grande entrave pra usuários eventuais.

O grande “X” nessa brincadeira toda é a atuação da regra universal de que, pra cada gosto adquirido, uma merda chata pra cacete vem junto. Obviamente nesse caso não seria diferente. Na minha experiência, criei três categorias pra classificar fatores muito irritantes de ser ciclista em Santos:

1 – O ser humano que perdeu totalmente a noção de perigo. Classe formada principalmente por trabalhadoras e trabalhadores que utilizam a bicicleta como meio de transporte diário e, como consequência, foram totalmente despidos do senso de autopreservação, realizando manobras de ultrapassagem dignas de coadjuvantes fadados à morte de Velozes e Furiosos. Me solidarizo com essas pessoas, mas já presenciei situações de risco o suficiente pra me permitir ficar incomodado. Cuidar de si também é cuidar dos outros, parça.

2 – O turista. Essa classe é um tanto quanto abrangente e ligeiramente metafórica. Não me refiro apenas ao turista que vem de outras cidades, com o olhar pueril de alguém que não está acostumado aos hábitos e o funcionamento específico de coisas próprias da cultura local.

Aqui também estão contidos os turistas da própria ciclovia. Geralmente são pessoas que transitam nela em pouquíssimas ocasiões, especialmente no malfadado domingo de manhã, e não possuem a desenvoltura necessária pra lidar com a agressividade quase automobilística das figuras descritas no tópico anterior. Idosos, famílias inteiras com crianças pequenas, casais apaixonados que acham de bom tom ocuparem as duas faixas pra poderem ficar de mãos dadas.

Defenderei até o fim dos meus dias o absoluto direito de todos desfrutarem dos espaços públicos, mas a falta de compreensão da dinâmica da ciclovia enquanto ambiente altamente hostil gera uma imprevisibilidade absurda pra todos os envolvidos, promovendo um grau de periculosidade totalmente contornável.

3 – O shake de babaquice. Aqui, antes de explorar as minucias dessa classe odiosa, um breve comentário. Nas duas tipologias anteriores o fator estresse se dá por conta de uma percepção muito particular de mundo, que considera que eu fui criado pelo Homem da CIPA e tenho nóia de segurança. Partindo desse pressuposto, o que causa incômodo não são as pessoas em si, mas os vários fatores de risco que são criados entre os dois grupos. Como deixei bem claro, me solidarizo com suas necessidades, mas continuo achando que falta senso de autopreservação.

Os shakes de babaquice não. Esse tipo de gente eu me permito ter ojeriza sem “mas”. Essas são pessoas com cara de quem acabou de sair de uma loja de grife esportiva, gente que você encontraria num bar top bebendo um drink tosco que mais parece uma instalação artística, discutindo como as criptomoedas são o futuro. O mix absoluto das coisas mais cafonas e imbecis que eu consigo imaginar. Por isso shakes.

Aqui incluo o marombeiro de boné de equipe da Fórmula 1, uma parede de whey protein e creatina que faz questão de pedalar no meio da ciclovia, devagar e se filmando pra mostrar pra todo mundo que ele aprendeu a andar de bicicleta. A figura definitiva desse coletivo de babaquice, no entanto, extrapola todos os limites da falta de bom senso: o babaca da corridinha.

Na moral, nada nesse mundo é capaz de me fazer incorporar o Pateta do Trânsito mais do que a santa criatura que acha de bom tom CORRER A PÉ na ciclovia. A calçada é larga, sempre tem espaço pra todo mundo, mas o ser humano é incapaz de botar um único neurônio pra atuar e compreender que, além de cagar com TODO O TRÂNSITO da ciclovia, e talvez por falta de espelhos em casa, não, NÃO ELE NÃO É UMA PORRA DUMA CALOI.  

Rogo pelo dia em que o bom-senso se espalhe pela cidade com a mesma velocidade que bares exatamente iguais abrem por todo lado e com a mesma eficiência que essas irrequietas criaturas – como diz o Inspetor Faustão – derramam sua cretinice pelas ciclofaixas caiçaras. Até lá, me permito continuar xingando baixinho. Pelo menos o suor drena o ódio.

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