Em tempos recentes, ligeiramente à contragosto, porém firme no propósito de manter o corpo são pra lidar com a idade, que lenta e sorrateiramente vai demarcando seu território, resolvi adotar um hábito saudável.
Voltei meus olhos
pra uma atividade que muito me agradava e há tempos não praticava com regularidade:
o ciclismo. Como sou um tosco e gosto de inventar nomes esdrúxulos pras coisas,
inaugurei na minha vida um novo quadro, o Ciclismo Doloso - Quando Há Intenção
de Pedalar. São momentos prazerosos, os de pedalada. Isto é, quando escolho os
momentos adequados pra adentrar o mundo selvagem das ciclovias santistas.
De uma forma geral,
especialmente em dias úteis e fora de horários em que as pessoas estão saindo
ou entrando no trabalho – posto que, considerando a planitude da cidade, a
bicicleta não se reduz à mero artefato esportivo ou de lazer – o trânsito pelas
ciclovias é consideravelmente fácil. Sim, temos o já famigerado problema de
manutenção comum a qualquer via pública da maioria das cidades, mas de forma
geral, aos menos nos caminhos que percorro, esse não costuma ser um grande
entrave pra usuários eventuais.
O grande “X” nessa
brincadeira toda é a atuação da regra universal de que, pra cada gosto
adquirido, uma merda chata pra cacete vem junto. Obviamente nesse caso não
seria diferente. Na minha experiência, criei três categorias pra classificar fatores
muito irritantes de ser ciclista em Santos:
1 – O ser humano que
perdeu totalmente a noção de perigo. Classe formada principalmente por
trabalhadoras e trabalhadores que utilizam a bicicleta como meio de transporte
diário e, como consequência, foram totalmente despidos do senso de
autopreservação, realizando manobras de ultrapassagem dignas de coadjuvantes
fadados à morte de Velozes e Furiosos. Me solidarizo com essas pessoas, mas já
presenciei situações de risco o suficiente pra me permitir ficar incomodado.
Cuidar de si também é cuidar dos outros, parça.
2 – O turista. Essa
classe é um tanto quanto abrangente e ligeiramente metafórica. Não me refiro
apenas ao turista que vem de outras cidades, com o olhar pueril de alguém que
não está acostumado aos hábitos e o funcionamento específico de coisas próprias
da cultura local.
Aqui também estão
contidos os turistas da própria ciclovia. Geralmente são pessoas que transitam
nela em pouquíssimas ocasiões, especialmente no malfadado domingo de manhã, e
não possuem a desenvoltura necessária pra lidar com a agressividade quase
automobilística das figuras descritas no tópico anterior. Idosos, famílias
inteiras com crianças pequenas, casais apaixonados que acham de bom tom
ocuparem as duas faixas pra poderem ficar de mãos dadas.
Defenderei até o fim
dos meus dias o absoluto direito de todos desfrutarem dos espaços públicos, mas
a falta de compreensão da dinâmica da ciclovia enquanto ambiente altamente
hostil gera uma imprevisibilidade absurda pra todos os envolvidos, promovendo
um grau de periculosidade totalmente contornável.
3 – O shake
de babaquice. Aqui, antes de explorar as minucias dessa classe odiosa, um breve
comentário. Nas duas tipologias anteriores o fator estresse se dá por conta de
uma percepção muito particular de mundo, que considera que eu fui criado pelo
Homem da CIPA e tenho nóia de segurança. Partindo desse pressuposto, o que
causa incômodo não são as pessoas em si, mas os vários fatores de risco que são
criados entre os dois grupos. Como deixei bem claro, me solidarizo com suas
necessidades, mas continuo achando que falta senso de autopreservação.
Os shakes de
babaquice não. Esse tipo de gente eu me permito ter ojeriza sem “mas”. Essas
são pessoas com cara de quem acabou de sair de uma loja de grife esportiva,
gente que você encontraria num bar top bebendo um drink tosco que mais
parece uma instalação artística, discutindo como as criptomoedas são o futuro.
O mix absoluto das coisas mais cafonas e imbecis que eu consigo
imaginar. Por isso shakes.
Aqui incluo o
marombeiro de boné de equipe da Fórmula 1, uma parede de whey protein e
creatina que faz questão de pedalar no meio da ciclovia, devagar e se filmando
pra mostrar pra todo mundo que ele aprendeu a andar de bicicleta. A figura
definitiva desse coletivo de babaquice, no entanto, extrapola todos os limites
da falta de bom senso: o babaca da corridinha.
Na moral, nada nesse
mundo é capaz de me fazer incorporar o Pateta do Trânsito mais do que a santa
criatura que acha de bom tom CORRER A PÉ na ciclovia. A calçada é larga, sempre
tem espaço pra todo mundo, mas o ser humano é incapaz de botar um único
neurônio pra atuar e compreender que, além de cagar com TODO O TRÂNSITO da
ciclovia, e talvez por falta de espelhos em casa, não, NÃO ELE NÃO É UMA PORRA
DUMA CALOI.
Rogo pelo dia em que
o bom-senso se espalhe pela cidade com a mesma velocidade que bares exatamente
iguais abrem por todo lado e com a mesma eficiência que essas irrequietas
criaturas – como diz o Inspetor Faustão – derramam sua cretinice pelas
ciclofaixas caiçaras. Até lá, me permito continuar xingando baixinho. Pelo
menos o suor drena o ódio.
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