quinta-feira, 12 de junho de 2025

Sobre a morte, o luto e, obviamente, a vida

 


Escrevo esse texto para falar sobre um tema muito difícil, não porque tenho um problema em tratar dele, mas por tudo que uma sociedade fundada em preceitos cristãos e que tem parte majoritária das pessoas professando algum tipo de fé e exercendo sua espiritualidade acredita sobre isso. Em nível pessoal, é difícil por um motivo relativamente simples, mas exatamente por todas essas crenças serem fundantes do pensamento “ocidental”, camadas de complexidade se sobrepõem ao tema.

Você já deve imaginar, mas me refiro à morte. Qual é essa dificuldade, afinal? Bom, sendo ateu, acho que não há dúvida sobre eu não acreditar que exista algo depois da morte. Se não me falha a memória já tratei da questão em alguma crônica no passado, possivelmente para falar que acredito que é exatamente aí que se encontra a preciosidade da vida, na sua singularidade. O que sempre me deixa reticente diante da questão é que, apesar de ser, no meu entendimento, uma visão positiva, ela raramente condiz com o que pessoas pensam sobre isso, e na busca de tentar ser sensível ao lidar com momentos de perda e luto, uma pergunta me acompanha desde a minha primeira recordação sobre vivenciar a morte de alguém: como ser de fato acolhedor quando sua percepção sobre o fim pode não soar reconfortante?

Ao longo dos meus 30 anos vivenciei um número considerável de lutos. O mais recente deles é pelo meu avô, que nos deixou no dia 31 de março desse estranho ano de 2025, coincidentemente o dia que nomeia um dos bairros dessa Cubatão que ele tanto amou.

Tenho, desde então, tentado elaborar os sentimentos e o tema em si, o luto. Há uma frase no livro mais recente do Jefferson Tenório, “De Onde Eles Vêm”, que diz que o luto é como uma amputação: um pedaço de você é arrancado e não tem essa de substituir. Pode até ser que uma prótese seja posta no lugar e cumpra, de alguma forma, a mesma função, mas o vazio daquela ausência é eterno. A questão é que a gente se adapta. Vai ser difícil, a princípio, e vai doer por muito tempo, mas cada dia um pouco menos.

Somos levados a acreditar que só o que conta são grandes feitos, a vida majestosa, e passamos nossa existência aflitos por não sermos os protagonistas de um épico. Mas a vida não é isso. Nunca foi, nem daqueles que, entre muitas aspas, nos olham de um suposto topo. Acho que talvez venha daí uma das grandes aflições sobre pensar e lidar com a morte: confrontar a ideia de que sua vida ou a de quem você ama não tenha o significado ou impacto que acreditamos que deveria ter. Mas será mesmo?

Para falar sobre isso, penso na vida do meu avô. Cresci ouvindo dezenas de histórias sobre ele. A mais emblemática talvez tenha sido sua recusa ao convite de jogar no Santos, já que sempre foi corinthiano, o que abriu espaço pra que o time convidasse um dos maiores jogadores de sua história, o Pepe, pra ocupar a posição que seria dele.

Seu Nico não se tornou um jogador mundialmente renomado, mas viveu e vive como um dos maiores na memória daqueles que o viram jogar, assim como na de dezenas de pessoas que aprenderam com ele o ofício da marcenaria durante o período que ensinou na extinta Fábrica da Comunidade e na de tantas outras que cruzaram seus caminhos com os dele. Pra mim bastaria dizer que foi um avô gentil e afetuoso. Isso já não é grandeza?

Fiquei - e continuo - triste por sua morte, bem como pela de todos os familiares e pessoas amadas das quais tive que me despedir irrevogavelmente ao longo da vida, mas a felicidade de tê-los conhecido e a singularidade de suas existências é tão maior que não consigo me apegar à dor. Retornando à questão do início, sobre como ser acolhedor, acredito não ter uma resposta muito concreta.

Tentar sempre que possível estar presente é um ótimo começo. Subestimamos - e muito - a importância da presença. Quanto ao que dizer, bom, eis uma resposta muito mais difícil. Essas são palavras que provavelmente vou continuar perseguindo pelo resto da vida. Se algum dia as encontrar ficarei feliz em compartilhar. No meio tempo sigo me fazendo presente.

Nesse malfadado dia 31, durante o velório, vendo a serra e a cidade encobertas do prenúncio de temporal, só conseguia pensar que chorava a Rainha das Serras por um de seus filhos ilustres. Entre o choro e o riso das pessoas, todos os afetos ali presentes celebravam a vida de Seu Nico. Torço pra que todos os lutos encontrem esse afago.

quinta-feira, 22 de maio de 2025

Por Favor, Me Poupe do Supino

 


Começo essa crônica com um anúncio que nunca imaginei fazer: estou na academia. Proferir essas palavras me causa até um arrepio na coluna, um calafrio daqueles que dizem que rola quando um espírito atravessa seu corpo pelas costas, o que nesse caso pode ser verdade, já que os fantasmas da diversão e da felicidade habitam aquele lugar. Meu Deus, que situação insalubre.

Sentimentos à parte, beirando os 31 anos a consciência de que preciso manter um certo grau de sanidade física em prol de sustentar por muito mais décadas minha sanidade mental finalmente se instalou. O empecilho pra manter o foco fica em um questionamento: por que todos os exercícios parecem meio imbecis? Mais que isso, por que tudo te faz se sentir tão ridículo?

Utilizando a infame cadeira adutora, por exemplo, fiquei toda a primeira série de repetições que fiz pensando “o que diabos eu fiz pra ser vilipendiado por esse aparelho”? Absolutamente nada. Era apenas um transeunte incauto pego de surpresa pelos horríveis desígnios de mim mesmo buscando dias mais saudáveis. O que falar então dos terríveis leg press, aquelas coisas pra treinar bíceps e tríceps e todos os outros odiosos aparelhinhos feitos pra fortalecer sua musculatura e enfraquecer seu espírito?

Vou me valer do conceito de Immanuel Kant sobre liberdade, que é a de que ser livre é fazer o que não se quer. Assim como o professor Mário Sérgio Cortella, que me lembrou dessa frase na sua participação em uma das últimas edições do programa Altas Horas, também exerço minha liberdade submetendo meu corpo a esses pequenos desprazeres físicos e minha mente aos ainda piores desprazeres ambientais que a academia gera.

Agora, respondendo as questões do início, estar na academia - ao menos pra mim - soa e me faz sentir meio imbecil porque sua existência é um totem da lembrança de que houve um tempo em que simplesmente viver era o bastante pra manter a saúde física em dia. Não que se vivesse muito - e afinal, pra quê diabos queremos viver tanto? - mas séculos de evolução pra nos tornarmos caçadores que unissem força física e cérebros altamente desenvolvidos entram diariamente em colapso quando os séculos seguintes transcorrem engenhosamente pra desfazer isso. Cá estamos, então, essas ridículas massas ambulantes capazes de alterar os rumos da existência e do espaço que habitam, mas presos à tosca necessidade de balançar barrinhas de metal e plástico e andar sem sair do lugar só pra conseguirmos andar até os 90 anos. Patético. Nós somos patéticos.

Fui alguma vezes numa balada mequetrefe em Campos do Jordão, em tempos menos católicos, como dizem os jovens. Qual a relevância dessa informação? Ambos os ambientes sofrem das mesmas características: entre meia-luz e escuro, música eletrônica que poderia ter sido a gravação do colapso de uma estrutura predial e gente em busca de algum tipo de salvação. Em ambas, infelizmente, a conclusão é a mesma, nenhuma salvação é possível, independente de quanto álcool você ingira ou quantas séries do maldito supino reto você faça. Estamos todos condenados.

Achou que esse texto ia ter alguma lição ou que de repente eu resolvesse falar alguma coisa positiva sobre os impactos da academia na vida? Você nunca se enganou tanto, esse aqui sou eu voltando a deliberadamente reclamar de alguma coisa, como há um bom tempo eu não fazia. Se você gosta da academia, me poupe dessa informação. Enquanto isso prossigo exercendo minha liberdade e resmungando em cada intervalo das séries de exercício.

Até a próxima.

sábado, 26 de abril de 2025

Recomendamentos: Filmes de Stephen Chow

 


Inauguro - depois de “Receitas Que Você Não Pediu, Mas Vai Ganhar Mesmo Assim” - uma nova coluna no Notas, a “Recomendamentos”, como você obviamente já notou pelo título. Tal qual as receitas que você não pediu, esse espaço vai servir pra compartilhar absolutamente qualquer coisa que eu ache que faz sentido compartilhar, e se você vai ou não atrás já não é comigo.

Partindo de tal pressuposto, não que alguém tenha perguntado, mas Stephen Chow é provavelmente meu ator preferido. Assim como Jackie Chan, Michelle Yeoh, Jet Li, Chow Yun-Fat e tantos outros astros chineses do cinema, Stephen - que na real se chama Chow Sing-Chi, mas meteu esse Stephen no meio da história pra ter mais aceitação no mercado “ocidental”, como todos os outros citados - é cria real das artes marciais, 110% habilitado para chutação de bundas e pancadaria generalizada.

Ainda que, assim como pros outros, o kung-fu seja um elemento fundamental nos universos de seus filmes, eles raramente giram diretamente em torno das artes marciais. A pegada aqui é outra: o foco é na comédia. As tramas costumam ser desnecessariamente complexas e desconexas, e é exatamente isso que te prende nas narrativas, te deixar muito confuso com situações surreais que vão te carregando através de detalhes que, a princípio, parecem soltos e sem sentido, mas que se costuram aos poucos pra te cobrir com uma aconchegante colcha de retalhos absurdos.

Não gosto de dizer isso porque acho que deveríamos assistir todo tipo de filme, então afirmo com dor no coração: não é humor pra todo mundo. Seus filmes, tanto os só dirigidos quanto os dirigidos e atuados por ele, usam elementos humorísticos e formas de atuação muito característicos do cinema chinês. Se não é sua praia, não vão te pegar, especialmente porque outro elemento recorrente neles é o exagero, seja de expressões, do uso do humor de repetição, do humor físico palhacesco, tudo opera em outro nível. Imagine “A Hora do Rush” ainda mais maluco e caricato. Isso é cinema com e por Stephen Chow.

Caso ache que pode funcionar pra você, começo as recomendações com o que talvez seja mais palatável para o público “ocidental”: “Kung-Fusão”. Foi o segundo dele que assisti, mas tão impactante quanto o primeiro (o próximo da lista). A história gira em torno de dois ferrados - um deles o próprio Chow - que sobrevivem tentando cometer pequenos delitos, sonhando em entrar pra famigerada Gangue do Machado, que está em conflito com os moradores de um cortiço, por sua vez protegido por três ex-mestres de estilos lendários de kung-fu. Eu falei que as tramas eram complexas. Acompanham a doidera reviravoltas bem posicionadas ao longo do filme, que ajudam a manter a dinâmica sem parecerem só artifícios narrativos, e a estranha facilidade de se relacionar com os personagens, cheios de contradições que você facilmente encontraria em um vizinho ou parente.

Quanto ao meu primeiro contato com seus filmes, nos arredores do já distante ano de 2006, apresento rapidamente, e já explico o porquê. O nome do filme é “Kung-Fu Futebol Clube”, um suplex de insanidade que conta a história de um monge shaolin que foi embora do monastério onde vivia após a morte de seu mestre, e acaba por acaso conhecendo em Hong Kong um ex-jogador de futebol em busca de redenção após ter entregue uma final de campeonato muitos anos antes. O motivo de não me estender é porque existe um maravilhoso episódio do meu amado - e por hora ainda inativo - podcast Cinemasso sobre o filme (que você pode ouvir aqui: https://open.spotify.com/episode/43rPhnGiybfXkQMGDOrQlL?si=ZnFk0nPTRlmA316_dNha-A). Sigamos.

A terceira recomendação é, coincidentemente, uma trilogia: “Fight Back to School”. A trama do primeiro filme é um pouco mais direta, acompanhando um policial de elite altamente eficiente, porém indisciplinado na mesma medida, que é obrigado a trabalhar como agente infiltrado pra recuperar a liderança de seu esquadrão depois de fazer cagada em uma operação. O inusitado fica por conta do fato de que ele se infiltra como aluno em uma escola de ensino médio, monitorando as movimentações do irmão de um estudante, provavelmente envolvido com tráfico de drogas. Em nenhum momento ele usa maquiagem ou artifícios pra parecer mais novo, é só um adulto comum usando uniforme escolar no meio de estudantes que estranhamente parecem tão velhos quanto ele. As sequências também são divertidas e têm seus méritos, mas nada igual o primeiro.

Por último lhes entrego o penúltimo filme dirigido por ele, uma das coisas mais insanas que já tive o prazer de assistir, “As Travessuras de Uma Sereia”, daqueles filmes que começam, terminam e tudo que você sabe é que riu descontroladamente sem entender direito o motivo. A história gira em torno de uma sereia - ora ora, quem diria - enviada à superfície pra assassinar um empresário que conduz um projeto de recuperação de um trecho costeiro, mas que ameaça o local habitado pelas sereias. Os dois acabam se apaixonando, o cara desiste do projeto, mas o que ninguém esperava era que uma organização secreta está caçando as sereias (por um motivo que não recordo) e cabe ao empresário salvar sua amada marinha.

Pelas sinopses, acho que fica claro o que disse no início, não é o tipo de filme que vai funcionar pra todo mundo. Mas como você vai saber se não der pelo menos uma chance? Já assisti muitos outros filmes com Stephen Chow e, entre méritos e deslizes, todos mantém um bom nivelamento de qualidade geral. Aviso importante, alguns deles têm elementos de humor mais datados, mas nada que você não encontraria em qualquer filme estadunidense do mesmo intervalo de tempo, entre os anos 80 e 90, então veja os filmes também como o retrato de uma época e especialmente de uma cultura diferente da nossa, abrace o caos e se permita entrar de cabeça nessa piscina de bobajada.

 

Até a próxima.

 


terça-feira, 18 de março de 2025

Lapsos Culinários, Como Lido Comigo Mesmo e Duas Receitas que Você Não Pediu - Mas Vai Ganhar Mesmo Assim

 


Sabe aquele papo de que “você sai de ‘x’, mas ‘x’ não sai de você”? São coisas que ficam evidentes através do sotaque ou de um costume, e você com certeza carrega alguma coisa assim pra onde quer que você vá. Comigo não é diferente. É curioso que, mesmo depois de tanto tempo, a cozinha ainda ocupe um espaço tão grande na minha vida.

Tô sempre pensando em comida, assistindo um programa documental sobre alimentação, ficando irritado com alguma rasgueira tosca que alguém faz num reality culinário, lendo livros sobre como a alimentação serviu de motor pra um número absurdo de descobertas e eventos históricos.

Enfim, acho que me fiz entender: comida me move em diversos sentidos, e faz parte até de momentos em que preciso organizar a cabeça, botar as ideias no lugar ou só controlar a ansiedade. Demorei um pouco pra entender que, pra além de desviar minha atenção do que quer que estivesse ou esteja me incomodando, cozinhar ajuda porque é um processo que se estabelece sob uma certa rigidez e ordenação na cabeça de quem já pisou numa cozinha profissional.

Como nem tudo são flores, recordo a vocês que abandonei o ofício e pendurei as panelas porque, na mesma medida que faz bem, alimentava processos negativos que me adoeceram o suficiente pra mudar vertiginosamente essa relação durante alguns anos - como acredito que já mencionei anteriormente - mas que agora voltou ao que era. Tudo isso pra falar que, pela primeira vez, venho compartilhar receitas com vocês. Duas, pra ser exato.

Assim como as choux creams em 2022, os cookies em 2023 e as dezenas de risottos que fiz nas madrugadas do biênio 2012/2013 pros amigos da faculdade, duas semanas atrás me bateu uma vontade repentina de fazer molho de pimenta e picles de cebola roxa. No dia seguinte fui no mercado depois do expediente, comprei tudo e fiquei até 1h30 da manhã na cozinha.

Já aviso de antemão, nada de receita bonitinha com medidas exatas. O molho, especificamente, depende muito do sabor que você quer, seja um toque mais adocicado ou um pouco mais apimentado, a acidez mais presente, enfim, vou te dar os ingredientes e você que bote o quanto achar melhor, afinal quem sou eu pra dizer o que é mais saboroso pra você. O picles, por sua vez, tem uma quantidade exata, mas mais nas proporções do que na quantidade. Agora chega de papo e vamos ao que interessa, começando pelo último.

Picles de cebola roxa

Os ingredientes são vinagre de vinho tinto, água, pimenta-do-reino em grão, louro e - ora quem diria - cebola roxa. “Ai, André, posso usar outro vinagre no lugar do vinho tinto? E se a cebola for da branca, tem problema”? Olha, ninguém vai na sua casa fiscalizar o que você tá fazendo, então fique à vontade pra substituir o que quiser, sabendo que o resultado vai ser completamente diferente pra cada coisa alterada, então esteja por sua conta e risco. Prossigamos para o modo de preparo.

Misture PARTES IGUAIS - detalhe importante - de água e vinagre numa panela, em quantidade que seja suficiente pra cobrir a quantidade de cebola que você quer piclezar. Adiciona um tanto de grão de pimenta e folhas de louro junto, de novo recorrendo ao bom senso pra deixar os sabores equilibrados, e bota pra esquentar.

Enquanto a mistura esquenta, corte as cebolas radialmente (como no desenho tosco abaixo, que você vai fingir que tá certinho porque eu já tô te fazendo a boa de passar uma receita show), ponha num escorredor de massa e enxágue bem, depois encha uma tigela com água e gelo e jogue a cebola dentro.

Assim que a mistura de água e vinagre levantar fervura, escorra a cebola e a ponha em um recipiente - preferencialmente de vidro - que tenha tampa, tire o líquido do fogo e bote diretamente sobre ela, coando com uma peneira pra não ter que ficar catando folha e grão de pimenta do meio, depois. Tampa o recipiente e bota direto na geladeira - sim, ainda quente. Espera de um dia pro outro e pronto, agora você tem quanto picles quiser.

 

Molho de pimenta

Aqui dei uma roubada no nome porque a parada ficou mais pra pasta do que pra molho. Quanto menos água no resultado final melhor, porque aumenta a durabilidade, então usei como líquido um pouco de vinagre de vinho tinto, o que também influencia no sabor. Os ingredientes que eu usei foram pimenta dedo-de-moça, pimenta cambuci, pimentão amarelo, tomate, cebola, alho, alecrim, manjerona, azeite, sal e vinagre de vinho tinto. De novo, muda o que você quiser, só não desapegue do bom senso.

Pré-aquece o forno a uns 220ºC e espalha em uma assadeira todos os legumes, cortados do tamanho que você achar melhor e que se encaixem na forma como você vai bater o molho depois. Eu usei um mixer, então cortei tudo em pedaços pequenos. Espalhe uns galhos das ervas aromáticas por cima deles e besunte tudo com azeite. Sei que tá caro, então se quiser misturar com um tico de óleo pra render, pode. O mais importante é que seja quantidade suficiente pra untar o fundo da forma, já que não é pra vedar a assadeira, e que o sabor do azeite não seja sobreposto ou suavizado demais. AINDA NÃO PONHA SAL, pra evitar formar água no fundo, já que a ideia é assar e não vaporizar os ingredientes.

Bota pra dentro do forno e deixa assar até que tudo esteja com aquele aspecto dourado começando a tostar, como se fosse um gratinado que passou um pouco do ponto. O ideal é que a assadeira fique o mais distante possível do fogo, no forno, então se o seu só tiver uma grade, abaixa a temperatura pra 200ºC quando colocar os legumes lá dentro. Depois de assados, só bater/processar tudo junto e temperar com sal, mais um pouco de azeite e vinagre (que você pode usar pra ajustar a textura, lembrando que, obviamente, quanto mais vinagre, mais ácido).

Agora uma dica. Como eu gosto de coisas com quantidades inumanas de pimenta, ainda peguei mais um tanto delas, espetei num garfo trinchante e tostei direto na boca do fogão, depois misturei na pasta só cortado na faca, mesmo. Lembre-se que o limite é o bom senso, e como essa fronteira é muito pessoal, cruze por sua própria conta e risco.

Se fizer alguma das receitas e dúvidas surgirem, pode dar um alô, ainda que eu ache que, apesar de zero técnicas, as descrições ficaram razoavelmente didáticas. Ou se não fizer nenhuma e só quiser bater papo sobre comida, também pode dar um alô. Caso esteja esperando outras receitas, quem sabe alguma hora elas aparecem por aqui, também. Agora, sendo sincero, abaixe essas expectativas, porque não faço ideia de quando isso vai acontecer de novo.


Até a próxima.

 

terça-feira, 25 de fevereiro de 2025

Gostava Mais de IA Quando Era Só Aquele Moleque Robô Chato

 


Um tempo atrás, navegando naquele cemitério de bom senso que chamam de LinkedIn, vi o anúncio de um curso da plataforma de ensino própria da rede social sobre produção de prompts pra IA assistente que faz parte dos diversos programas do pacote Office. Em outro post um grupo de pessoas debatia as falhas e virtudes de IAs generativas e sua capacidade de produzir imagens. A exposição à profundidade de um pires das discussões que rolam por lá me causou uma coceira horrível, e o antídoto, óbvio, era vir azedar um pouquinho por essas bandas. Antes de prosseguir, deixa eu tirar logo isso da frente: eu não sou contra o uso de “inteligências artificiais”. Mais ou menos. Vamos à explicação.

Se você acompanha meu trabalho há algum tempo - ou leu meu livro - deve lembrar de “Será Se a Internet Foi Longe Demais”. Quando o escrevi, confesso que considerei, já naquele momento, inserir o tema inteligência artificial, também, mesmo que de forma discreta, já que não era o foco. Por fim decidi deixar de fora e, em algum momento, dedicar um espaço exclusivo pra ele.

A ideia de elaborar sobre os dois tópicos num mesmo espaço me ocorreu pelo paralelo que podemos traçar entre ambos os fenômenos diante da perspectiva elaborada anteriormente: grande ferramenta, responsabilidade mínima sobre seus impactos. A gente teve a chance de entender que a internet era só uma ferramenta e fomentar o uso sensato dela e perdeu esse bonde, então por que seria diferente com IAs?

Em tempos de volumes colossais de informação bombardeando ininterruptamente nossos cérebros biologicamente projetados pra pegar fruta no mato, as pessoas estão perdendo em ritmo acelerado a capacidade crítica e de síntese de ideias - como têm demonstrado o número crescente de pesquisas sobre o tema - coisas que demandam tempo e paciência pra que se faça reflexões que considerem de verdade os diferentes aspectos e dimensões do objeto analisado, e simplesmente se entregando pros resultados toscos, rasos e muitas vezes errados que saem do ChatGPT e seus congêneres.

Pra mim isso não parece praticidade, mas o rendimento total da autonomia do pensar. E isso é sintomático do capitalismo: estamos tão cansados o tempo todo que até elaborar uma ideia mais complexa se tornou um estorvo, e o novo produto revolucionário a ser vendido (já que usá-las não só não é gratuito como, assim como em redes sociais, nossos dados são a moeda de troca) são os algoritmos que te poupam o tempo de ser um humano comum que lida com essa chaticezinha que é pensar. Junte isso a empresas bilionárias monopolizando tecnologias e direcionando a percepção acerca delas e pronto, tá feito o estrago.

Vou dar um exemplo prático do meu ponto. Estou há semanas escrevendo essa crônica. Pra falar a verdade não lembro a última vez que escrevi um texto numa tacada só, ou em alguns poucos dias. Geralmente fico ruminando o tópico, esqueço dele, relembro, escrevo mais meia dúzia de linhas, leio um pouco sobre o tema e então, depois de muito elaborar sobre o que eu penso sobre o assunto, começo realmente a organizar a ideia.

Se eu não passasse por isso escrevendo, ainda seria escrever? Sem falsa modéstia de “na minha humilde opinião”, aqui, vou ser direto e reto: não. Afirmo categoricamente que não. Se você se pergunta o porquê, a resposta é relativamente simples: criar algo não é só juntar um monte de partes através de técnica. O que diferencia um texto que eu ou qualquer outra pessoa produza de algo gerado por um algoritmo é a subjetividade - sempre ela.

Assim como quem escreve, a máquina é capaz de reunir um monte de referências e estruturar um texto a partir dos dados mais relevantes, obviamente muito mais rápido que qualquer ser humano, mas isso só poderia de fato ser considerado conhecimento ou arte passando por todos os filtros da subjetividade de uma pessoa. Hoje - no dia em que termino esse texto, no caso - vi um vídeo do mestre maior da animação, Hayao Miyazaki, criticando duramente os diretores de uma empresa de IA generativa que cria animações, dizendo que achava o resultado daquilo um insulto à vida.

O cerne dessa reflexão é exatamente esse. Boas ou ruins - nesse momento específico sem entrar no mérito do que define qualidade - expressões artísticas de qualquer natureza só são possíveis por causa dessa maravilhosa capacidade humana de interiorizar, remoer e reconstruir à imagem do seu “eu” todo o universo de acontecimentos que nos moldaram. Quando entregamos esse processo ao computador, estamos abrindo mão também desse possibilidade de autoconstrução e terceirizando nossa humanidade.

Chegando aos finalmentes, reitero: não sou contra o uso de IAs. A questão é que seu uso deveria se limitar a operações que não demandam a tal humanidade. Cálculos ultra complexos, análises estatísticas e outros tantos processamentos de dados sem dúvida nenhuma se beneficiam muito dessa ferramenta. Temos no Brasil um exemplo incrível na figura da doutoranda em Astrofísica Roberta Duarte, que pesquisa o comportamento de buracos negros usando simulações produzidas por IA.

O que não pode escapar do nosso horizonte é colocar as coisas em deu devido lugar. Como disse nosso grande neurocientista Miguel Nicolelis em entrevista à Revista Fórum,

"A inteligência é algo restrito aos organismos porque ela é uma propriedade emergente da interação de seres vivos com o seu ambiente. A inteligência resulta no processo de seleção natural, é a forma pela qual os organismos conseguem sobreviver às vicissitudes de um ambiente em contínua modificação. O termo inteligência é inapropriado porque os sistemas computacionais não preenchem a definição clássica de inteligência, nenhuma delas. E ela não é artificial porque ela é criada por seres humanos, ela não vem do nada, não cai do céu. A inteligência que existe nessa área é a inteligência dos programadores e das pessoas que geram esses sistemas".

Desde as primeiras representação de sistemas computacionais na cultura existe o medo de que um supercomputador dotado de algum nível de consciência tente destruir a humanidade ou robôs dotados de capacidades comportamentais quase indistinguíveis de seres humanos. Acho um tanto óbvio afirmar que meio que só depende da gente, enquanto sociedade, delimitar o que máquinas podem ou não fazer. Dito isso, preciso confessar: preferia falar de IA quando tudo que a gente lembrava ao ouvir isso era daquele moleque robô chato pra cacete num filme desnecessariamente longo do Spielberg. Voltemos a tempos mais simples.

 

Até a próxima.