Rita Lee não morreu.
Não gosto dessas frases clichê de perfil de autoajuda do Instagram, mas tem uma
que até que faz bastante sentido. Só morre de verdade quem é esquecido. E gente
como Rita não se esquece.
Aproveito o ensejo
pra prestar minhas homenagens também à Palmirinha, uma figura que, mesmo antes
de eu entrar na Gastronomia, me chamava a atenção por conseguir falar de
cozinhar com naturalidade e leveza, como se estivesse cozinhando do seu lado –
coisa que quase ninguém consegue – e fazendo comida boa que a maioria dos chefs
renega, enquanto vende comida mediana pra baixo a preços no mínimo
questionáveis. Ela com certeza também não morre tão cedo.
Bom, voltemos à
Rita. Hoje, logo após a notícia, um amigo mandou uma mensagem que me arrancou
uma risada soltíssima no meio da consternação. “Devia ter comprado a biografia
dela, já. Vai ficar mais cara, agora”. Sobre ela, duas observações. Primeiro,
considerando todo o pouco que sei e vi de sra. Lee, acredito que também riria
muito disso, falando algo como “tá vendo só? Demoraram pra comprar meu livro,
agora os putos da editora vão meter a faca em vocês”!
Segundo, não me
espantaria nem um pouco se a frase seguinte fosse “E é bom que vocês paguem
mais caro, mesmo! Deu um trabalho do cacete pra escrever”. Rita é entropia
pura. O que faz com que seja espantoso o que muitos veículos de mídia
tradicionais – não que esperasse muito – tenham veiculado coisas como “Morre a
Rainha do Rock” num tom reducionista ou, no caso mais tosco e tacanho até o
momento, as chamadas da Folha querendo dar foco pra polêmicas, falar do uso de
drogas com um ar profundamente moralista e outras baboseiras de gente que vive
pra urubuzar a vida alheia.
O lance é que Rita é
tudo isso aí, sim. Mas não só. E nunca só. Fez o que queria, como queria, e
bateu de frente com as consequências porque tinha convicção das suas decisões.
E isso se refletiu profundamente na sua produção artística.
Num insano
transmimento de pensação, Danilo Nakamura, a. k. a. Sucrilhos, grande cronista
dos pratos, dos copos e da vida – se não o conhece, recomendo que conheça – escreveu
uma coisa que sempre me passou na cabeça: Rita tá no mesmo plano de David
Bowie. O grande lance pros dois era um só, criar o que quisesse, no estilo que
desse na telha, experimentar, inovar. Nenhum dos dois coube, cabe ou caberá na
caixinha do estilo único. Eles são o estilo. E quem gostou, bate palma. Quem
não gostou, paciência.
Nunca fui muito de
ídolos, e acho que os artistas de que gosto também não concordariam muito com qualquer
tipo de idolatria, mas agora, escrevendo esse texto, paro pra pensar que,
coincidentemente, só a morte do Bowie me trouxe esse momento de consternação
reflexiva, antes. Se isso não é pra ser celebrado e registrado, não sei o que
poderia ser. Só espero estar fazendo uma homenagem que faça justiça a eles.
Como eu disse lá no
começo, viver é ser lembrado. Quero que esse texto seja uma extensão indefinida
pra vida dela, de David e tantas outras pessoas que vieram pra tirar o mundo do
eixo, tendo a bondade de compartilhar com a gente o jeito de enxergar as coisas
nesse ângulo novo.
Rita escreveu
um tweet, nos idos de 2013, que dizia “E eu lá sou mulher de fazer backup?
Perdi tudo, foda-se eu”. Concordo com isso, até porque, convenhamos, quando
alguém se grava de forma tão profunda na vida de um país, pra quê backup? Ela
se basta, flutuando pelas memórias alheias, deixando um pouquinho de si em cada
canto.
Rita vive.
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