terça-feira, 9 de maio de 2023

Manhã de Terça É Uma Viagem ou Esse É o Primeiro Dia do Resto da Sua Vida

 



Rita Lee não morreu. Não gosto dessas frases clichê de perfil de autoajuda do Instagram, mas tem uma que até que faz bastante sentido. Só morre de verdade quem é esquecido. E gente como Rita não se esquece.

Aproveito o ensejo pra prestar minhas homenagens também à Palmirinha, uma figura que, mesmo antes de eu entrar na Gastronomia, me chamava a atenção por conseguir falar de cozinhar com naturalidade e leveza, como se estivesse cozinhando do seu lado – coisa que quase ninguém consegue – e fazendo comida boa que a maioria dos chefs renega, enquanto vende comida mediana pra baixo a preços no mínimo questionáveis. Ela com certeza também não morre tão cedo.

Bom, voltemos à Rita. Hoje, logo após a notícia, um amigo mandou uma mensagem que me arrancou uma risada soltíssima no meio da consternação. “Devia ter comprado a biografia dela, já. Vai ficar mais cara, agora”. Sobre ela, duas observações. Primeiro, considerando todo o pouco que sei e vi de sra. Lee, acredito que também riria muito disso, falando algo como “tá vendo só? Demoraram pra comprar meu livro, agora os putos da editora vão meter a faca em vocês”!

Segundo, não me espantaria nem um pouco se a frase seguinte fosse “E é bom que vocês paguem mais caro, mesmo! Deu um trabalho do cacete pra escrever”. Rita é entropia pura. O que faz com que seja espantoso o que muitos veículos de mídia tradicionais – não que esperasse muito – tenham veiculado coisas como “Morre a Rainha do Rock” num tom reducionista ou, no caso mais tosco e tacanho até o momento, as chamadas da Folha querendo dar foco pra polêmicas, falar do uso de drogas com um ar profundamente moralista e outras baboseiras de gente que vive pra urubuzar a vida alheia.

O lance é que Rita é tudo isso aí, sim. Mas não só. E nunca só. Fez o que queria, como queria, e bateu de frente com as consequências porque tinha convicção das suas decisões. E isso se refletiu profundamente na sua produção artística.

Num insano transmimento de pensação, Danilo Nakamura, a. k. a. Sucrilhos, grande cronista dos pratos, dos copos e da vida – se não o conhece, recomendo que conheça – escreveu uma coisa que sempre me passou na cabeça: Rita tá no mesmo plano de David Bowie. O grande lance pros dois era um só, criar o que quisesse, no estilo que desse na telha, experimentar, inovar. Nenhum dos dois coube, cabe ou caberá na caixinha do estilo único. Eles são o estilo. E quem gostou, bate palma. Quem não gostou, paciência.

Nunca fui muito de ídolos, e acho que os artistas de que gosto também não concordariam muito com qualquer tipo de idolatria, mas agora, escrevendo esse texto, paro pra pensar que, coincidentemente, só a morte do Bowie me trouxe esse momento de consternação reflexiva, antes. Se isso não é pra ser celebrado e registrado, não sei o que poderia ser. Só espero estar fazendo uma homenagem que faça justiça a eles.

Como eu disse lá no começo, viver é ser lembrado. Quero que esse texto seja uma extensão indefinida pra vida dela, de David e tantas outras pessoas que vieram pra tirar o mundo do eixo, tendo a bondade de compartilhar com a gente o jeito de enxergar as coisas nesse ângulo novo.

  Rita escreveu um tweet, nos idos de 2013, que dizia “E eu lá sou mulher de fazer backup? Perdi tudo, foda-se eu”. Concordo com isso, até porque, convenhamos, quando alguém se grava de forma tão profunda na vida de um país, pra quê backup? Ela se basta, flutuando pelas memórias alheias, deixando um pouquinho de si em cada canto.

Rita vive.

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