Aconteceram
coincidências curiosas na última semana. Atolado em um bloqueio criativo
violentíssimo, passei os últimos 10 ou 12 dias sem fazer ideia sobre o que
escrever. Os temas e as inspirações costumam aparecer com certa facilidade, mas
nesse período nada parecia suficientemente interessante ou digno de nota (e
tempo de elaboração).
Bloqueio criativo é
um tema por si só, e ainda vou dar atenção pra essa coisinha desgraçada, mas
não hoje. Voltemos às coincidências. Uns dias atrás, poucos minutos antes de
sair de casa pra faculdade, recebo a seguinte mensagem: “você acha que cada um
de nós tem um propósito? Tipo, que alguma força maior tenha dado uma missão pra
cada ser humano?”.
Não vou dizer minha
resposta agora. Acho que ela cabe no final da sequência de eventos que se
sucederam, pra amarrar as pontas. E se você discordar disso, bom, escreve seu
próprio texto aí, parça.
Enfim, primeira
coincidência. No dia seguinte ao questionamento, pouco depois do almoço, vi o
padre Júlio Lancellotti sendo entrevistado, junto com a jornalista global Sônia
Bridi, pela Paola Carosella no seu programa novo. Em dado momento, Paola
pergunta pra Sônia o que a move e ela responde que é sua esperança em um mundo
mais justo, ou algo próximo disso, não lembro exatamente as palavras.
Padre Júlio, sempre
lúcido, diz que acha a colocação dela perfeita, porque ter esperança em um
mundo melhor é diferente de ter fé em um mundo melhor. Quando questionado, ele
diz que a diferença entre fé e esperança é que, de certa forma, a fé é uma coisa
estática, enquanto a esperança é quando você movimenta sua fé em direção a
algo, relembrando o esperançar de Paulo Freire.
Em outro momento li
pra uma aula os três primeiros capítulos do livro “A Sociedade do Cansaço”, do
filósofo coreano radicado na Alemanha Byung Chul-Han, que trata em linhas
gerais de como, na contemporaneidade, vivemos assolados pelas patologias
neurais provocadas pela imposição da positividade constante, uma cobrança
continua e excessiva de que as pessoas se mostrem sempre bem, felizes, em
“forma”, ativas e produtivas, dando “propósito” a si mesmas através disso.
Qualquer pessoa com
o mínimo de bom senso sabe que ninguém vive essa vida de verdade, e se vive,
muito provavelmente é às custas da miséria alheia. Num golpe de curiosidade
sobre o assunto, cometi a seguinte pesquisa: “as dimensões do propósito”. O que
me apareceu foi uma coisa até que interessante, o conceito de ikigai, que
traduzido de forma aproximada é algo como “razão de viver”.
O ikigai está ligado
a encontrar as coisas que dão prazer e “sentido” pra sua vida e mover suas
ações e pensamentos em direção a essas coisas, e foi criado em Okinawa, no
Japão, região em que uma parcela considerável da população passa dos 100 anos.
Muitos pesquisadores acreditam que a longevidade dos locais tem relação direta
com viver sob a ótica do ikigai, o que parece bastante factível, ainda que
particularmente considere as condições materiais no qual aquela população está
inserida muito mais determinantes.
Bom, voltando ao
ponto. Como quase tudo nesse mundo, o conceito de ikigai é mais uma coisa
cooptada pela lógica neoliberal. Pra fora do conceito e sua história, me
deparei com uma enxurrada de diagramas toscos que tentam mostrar que o ikigai
deve passar por ser produtivo e pensar e fazer coisas que te dão dinheiro –
quase aquelas merdas de “Os Segredos da Mente Milionária”.
O que sucede disso é
uma montanha de cretinos vendendo livros e cursos sobre aplicar o ikigai para
conquistar uma vida bem-sucedida e feliz, bem papinho de coach safado, sempre se
amuletando na ideia de que isso é a solução mágica que vai te fazer ficar rico.
Ora ora, mas se não
é exatamente sobre esse tipo de coisa que o sr. Chul-Han estava falando. Se
alguém de fato encontra algum movimento pra própria existência nesse tipo de
coisa, tudo certo. Meu problema é com o charlatanismo. Tirar dinheiro de gente
que só tá perdida é muito baixo.
Essa sequência intensa de reflexões e
conceitos ao redor da ideia de propósito me pegou de surpresa. Como eu disse no
começo, não que eu não tenha uma concepção pessoal razoavelmente bem formulada
e estabelecida sobre a questão, mas a coincidência foi tremenda. Curioso.
Aqui, enfim, insiro
minha resposta. Parafraseando a mim mesmo, disse – mais ou menos – o seguinte: “a
resposta curta é não. A menos curta é não, não acredito que a gente tenha um
propósito determinado por algo maior, até porque não acredito em forças maiores
regendo o Universo. Acho que a Existência é só fruto da sucessão aleatória de
eventos ainda mais aleatórios, que aleatoriamente culminou na nossa presença
aqui e agora. Contudo, é exatamente isso que é, de alguma forma, uma dádiva.
Apesar de toda a loucura da entropia, estamos aqui, e isso dá significado pro
existir. A gente devia aproveitar ao máximo o privilégio de existir, APESAR dessa
completa aleatoriedade”.
O que eu quero
dizer, na real, é que encontrar um sentido pra própria existência é
uma coisa perturbadoramente difícil, simplesmente porque não dá pra ter
certeza. Eu posso estar absolutamente incorreto, e talvez exista sim algo
roteirizando as coisas, construindo o caminho pra que eu sirva pra alguma coisa
específica. Vai saber.
Meu grande ponto é
que não acho que pensar nisso faça sentido. Na maior parte do tempo isso só gera
ansiedade, angústia e um certo senso de inadequação frente ao mundo, uma
pressão de fora pra dentro de ter que saber qual o seu motivo de existir com o
qual simplesmente não concordo. Não posso concordar.
Não existe uma
regra. Algumas pessoas têm uma ideia muito clara do que querem, outras não. E
tá tudo certo. A vida vai apresentando situações pra gente ao longo da existência
que podem ou não servir de impulso pro encontro de algo que te movimente. Em
muitos casos, nem escolha tem, é vai ou racha. E a vida meio que é assim,
incerta.
Tenho alguma
convicção de que a gente dá sentido e propósito pro existir. E cada um no seu
tempo, dentro das suas possibilidades, vai moldando seu caminho. Escrever,
militar, cozinhar pras pessoas que eu amo e compartilhar o que eu puder são
algumas coisas que funcionam pra mim. Pode ser que algumas delas funcionem pra
você também, vai saber. Mas não tem regra. Talvez tenha sentido, talvez não.
Você só descobre se tentar.
Ser ou estar no mundo só deveria ter um propósito: o bem...de todos...mas ainda estamos longe dessa consciência coletiva...o momento atual nos mostra propósitos nada lisongeiros de muitos seres que nos rodeiam. Um dia de cada vez .. fé e esperançar...Padre Júlio e Paulo Freire nos mostram muitos bons caminhos. Parabéns pelas reflexões 😍
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