Quando adentrei pela
primeira vez nas masmorras escuras e esquecidas pelo tempo vulgarmente conhecidas
como gastronomia, nos idos de 2012, de cara me deparei com um movimento tosco e
triste que ainda engatinhava: a "experiência gastronômica". Meu Deus. Na
época, mesmo que ainda deslumbrado com o mundo de maravilhosas possibilidades
que se apresentavam, olhei com certo receio pro que se anunciava como “a
próxima grande tendência” do ramo.
Apesar disso, dei um
voto de confiança pra ideia, esperançoso de que as pessoas teriam o bom senso
de usar aquilo pra criar coisas realmente relevantes pra Gastronomia. Ledo
engano. O que surgiu foi uma quimera louca de tudo mais cafona, infantil e
puxa-saquista que se poderia criar.
Não que eu ache
errado querer fazer algo que tenha por objetivo principal proporcionar momentos
agradáveis pro comensal, mas no lugar disso o que se viu foi uma enxurrada de
genericidades tristes, nadando de braçada em falsidade, mal feitas e que
misturavam todos os piores elementos que a gastronomia poderia produzir.
Tudo isso, claro,
enquanto gente escrota ria – e continua rindo – da cara das pessoas, se valendo
da falta de critério e repertório da clientela pra ganhar dinheiro fácil, fruto
de um país que, ainda que tenha muita gente boa fazendo boa comida de forma
consciente, luta constantemente pra se livrar da rendição à lucratividade sobre
qualidade e decência humana no geral. Aqui podemos incluir, naturalmente, as
condições de trabalho deploráveis às quais trabalhadores do setor se veem submetidos, e
basta que se converse por alguns minutos com qualquer um que já esteve
empregado em A & B pra corroborar minha tese.
Um dos piores
sintomas que essa patifaria proporcionou é, sem sombra de dúvida, o cardápio
moderninho. Eu disse que ia falar deles. Assumindo todo tipo de forma e tamanho,
esse totem de cafonice é a ferramenta suprema da gourmetização pueril da sociedade,
reflexo de um movimento de infantilização geral que, sem meias palavras, é
estarrecedor.
Todo item de menu
tem que ter uma historinha engraçadinha, um papinho furado de como o
restaurante é seu amiguinho legal e descolado, pra te dar a ideia de que
você está prestes a comer algo incrível – mas que, muito provavelmente, só vai
reforçar todos os seus paradigmas. Superada a tarefa de conseguir escolher
alguma coisa naquela profusão insana de informação despropositada, vem a
segunda prova desse biatlo alimentar - e você só queria comer alguma coisa.
Mesmo que você meio
que saiba o que esperar, já que você ESCOLHEU a sua comida, é quase uma regra
universal que rege a experiência gastronômica: se o cardápio fala demais, a
comida entrega de menos. E não raramente por um preço excessivamente alto.
Não digo isso nem no
sentido de quantidade, porque se você vai num lugar que cobra um preço elevado,
mas come algo que pega seus sentidos de jeito, fica tudo certo. O problema é
quando te entregam uma massaroca medíocre numa apresentação de gosto
questionável e falam que é "a visão do chef" ou qualquer palhaçada do
gênero. Se sentir otário com comida é uma das piores sensações que existe na
vida.
A parte ruim de
entender certas coisas é que você precisa constantemente se controlar pra não
ficar sobreanalisando tudo o tempo todo. A parte boa, pelo menos, é saber que
você tá sendo enganado.
Uso como exemplo
recorrente a padaria perto da faculdade, um lugar que eu respeito muito. Esse
respeito vem pela constância e coerência do serviço e da comida: é sempre ruim.
Mas não tem palestra, papinho furado ou enganação, aquele lugar é o que é e se
dá por satisfeito.
Não tem “a gente só
trabalha com orgânicos” enquanto funcionário só recebe ultraprocessado pras
refeições, “nossos vinhos são biodinâmicos” cheio de processo por assédio moral
e “eu sou amigo do pescador”, mas sou contra ele ter direitos trabalhistas.
Espero ansioso pelo
dia em que os cardápios-livro-infantil acabem e as pessoas cansem da
“experiência gastronômica”. É muito papo pra pouco produto – e ainda menos
respeito pelo processo todo.
Até lá, sigo
reclamando. Consta que um pouquinho de tensão ajuda a manter o coração forte.