Esse vai ser um texto um pouco mais curto que
o comum, já que, apesar de algumas rápidas reflexões, o foco vai ser indicar
uma coisa. Nesse caso, um filme: Guerra Civil. Pra quem ainda não viu nada
sobre ele, uma sinopse rápida. Em um futuro não muito distante uma guerra civil
(ora, ora) tomou conta dos Estados Unidos, e o enredo acompanha três
fotojornalistas de zonas de conflito viajando de Nova York até a capital
estadunidense, Washington, acompanhados ainda de uma jovem fotógrafa que almeja
seguir seus passos na cobertura de guerras.
O filme, porém, não é sobre a guerra em si,
mas sobre os “microimpactos” de seus diversos aspectos, além de, ainda que de
forma menos direta, sobre fotografia. Não vou ficar destrinchando demais,
falando sobre atuações, montagem e outros aspectos técnicos. Como mencionado
anteriormente, não entendo quase nada de teoria do cinema, logo não vou ficar
inventando moda. O foco é no que senti e minhas percepções sobre algumas
questões que me saltaram mais aos olhos. Vamos então ao que interessa.
Pra falar sobre os diferentes impactos que o
conflito tem em uma sociedade, começo falando sobre os dois personagens
principais, interpretados por Kirsten Dunst e Wagner Moura. Em Guerra Civil,
Lee, personagem de Kirsten, funciona como um retrato da própria narrativa,
relativamente apática e distante mesmo nos momentos mais tensos. A quebra desse
comportamento, no entanto, ocorre quase como um prenúncio do fim, tanto seu
quanto da própria narrativa, quando toda a tristeza que só a guerra é capaz de
gerar em alguém se abate sobre ela.
A morte de Sammy, personagem vivido pelo
Stephen McKinley Henderson, jornalista veterano e mentor de ambos, causa uma
ruptura da barreira que ela construiu em volta de si pra não ter que lidar com
toda o peso das coisas que ela viu ao longo dos anos que cobriu zonas de
conflito. A partir desse ponto, enquanto registram a ofensiva final contra a
Casa Branca, todo o medo e tristeza a soterram, ficando quase imóvel diante da
ação.
É só nos momentos finais, com o ataque
praticamente concluído, que ela se recompõe, num ato que serve como um momento
simbólico pra ela, que já tendo realizado quase tudo que poderia querer,
profissionalmente, morre ao salvar a vida da personagem de Cailee Spaeny,
Jessie, a aspirante, entregando a ela o “fardo” que viveu ao longo de seu
trabalho na forma de uma foto incrível e uma “micro revolução” paradigmática
para a jovem.
O personagem do Wagner Moura, Joel, representa
uma outra face do lidar com todo esse contexto. Enquanto Lee é tomada pela
apatia, ele age quase com euforia ao vivenciar momentos de ação, enquanto
estava “distante” dos impactos da guerra. Em diversos momentos se comporta como
se aquilo impulsionasse sua existência, vivendo por mais uma dose da
adrenalina. Sua conduta, como a de Lee, só se altera frente à violência quando
vê seus amigos próximos, dois jornalistas chineses, serem executados por um
grupo de civis armados que, se aproveitando do caos gerado pela guerra em
andamento, passam seus dias executando pessoas que não consideram “verdadeiros
americanos”.
Essa cena, inclusive - com destaque pra
atuação insana do Jesse Plemons - poderia facilmente ser recortada e vendida
como um curta, e convenceria qualquer um que a assistisse de que foi pensada
com esse objetivo, sem, em nenhum momento, parecer deslocada do resto da
história ou da ambientação. As ações do grupo racista são de uma crueza quase
corriqueira, como se não estivessem fazendo nada diferente de lavar uma louça
ou calçar um tênis, e isso é o bastante pra gerar um nível de tensão tão denso
que dá quase pra pegar com a mão.
Outros dois momentos marcantes, que também
servem como reflexões distorcidas um do outro, são as paradas que o grupo faz.
A primeira se passa no posto de gasolina que encontram pouco depois de saírem
de Nova York, em que habitantes da cidade amarraram pelos pulsos e torturam
dois homens que tentaram saquear o lugar, com um deles constatando, sem nenhum
incomodo aparente, que havia estudado com um dos homens pendurados, posando
tranquilamente pra uma foto ao lado dele. Em contraste, mais ao final da viagem,
passam por uma cidade em que as pessoas continuam vivendo como se nada
estivesse acontecendo no resto do país, num único lapso do que poderia restar
de normalidade naquele cenário.
Um último aspecto notável, que se faz presente
ao longo de toda narrativa, é que a todo momento as cenas são filmadas
propositadamente de perspectivas pensadas para compor fotografias, servindo
como uma metanarrativa, um filme de si mesmo, como um documentário sobre a obra
que está inserido na própria narrativa. Aos amantes da fotografia,
especialmente da analógica, como este que lhes fala, é um detalhe que enriquece
muito a narrativa.
Enfim, acho que já falei o que tinha que
falar. Guerra Civil está longe de ser um dos meus filmes preferidos, mas sem
dúvida é um filme que vale a pena ser assistido, especialmente no cinema. Se
puderem, vejam.
Ah, esqueci de avisar, têm spoilers no texto.
Até a próxima.
Vale a pena assistir mesmo, e também não é um dos meus preferidos.
ResponderExcluirMas gosto da reflexão que ele nos traz