domingo, 10 de setembro de 2023

O Som das Araucárias

 




Viver por quase 10 anos na Serra da Mantiqueira me permitiu vivenciar um monte de coisas, e elas nem sempre foram fáceis de lidar. Quase nunca, pra falar a verdade. Estar num ambiente que não raramente beira o etéreo, sozinho e longe de muita coisa que o mundo teima em afirmar que é essencial te coloca em contato com coisas de si que o ruído da cidade insiste em sobrepor, especialmente quando se é jovem e isso é tudo que você conheceu.

A primeira vez que saí de Campos do Jordão disse pra mim mesmo que nunca mais voltaria pra lá. Palavras duras pra alguém de 19 anos. 6 meses depois, numa sala de aula, embalado por reencontros e rostos novos que mudariam consideravelmente as coisas, estava eu de novo no “ponto de não-retorno”. Têm muita coisa que a gente só consegue entender através dos olhos do tempo.

Depois de tantas idas e vindas, comecei a me sentir parte daquele ambiente. Não digo necessariamente da cidade, até porque cresci em uma região turística e bom, assim como qualquer cidade que se sustente da mesma forma, Campos é um grande teatro. O lugar, mesmo, não a atividade. O espetáculo no palco é sempre encantador, mas o que acontece na coxia raramente é notado, ainda que seja o que permite a coisa toda acontecer.

Óbvio, me identifico com as pessoas por trás das cortinas, adiantando a vida de quem só tá passando pra aproveitar o show - o que não é nenhum pecado, salvo em certas exceções - mas o que realmente criou esse senso de pertencimento foi como o som da natureza silencia tudo ao redor. Isso não acontece da noite pro dia, é preciso tempo pra ouvi-lo com clareza, e no fim é como se ele sempre estivesse ali.

Lembro das madrugadas em que a ansiedade era mais convincente que o cansaço. Saía pra caminhar 2h, às vezes 3h da manhã, e não via nada além de árvores, postes e prédios. No começo a incerteza da noite que habita em quem cresce nos arredores dos grandes centros urbanos toma conta dos sentidos, e qualquer ruído soa como um alerta. Passam uma, duas, cinco caminhadas, e em cada uma o alerta diminui. O silêncio, como tudo com que você convive rotineiramente, cresce. Um dia, enfim, sem nem perceber, ele tá lá. Só o vento correndo entre as araucárias importa.

Apesar dos pesares, sinto falta da Mantiqueira, e gosto de pensar que ela também sente falta de mim. Nunca mais encontrei essa paz - pelo menos não na mesma intensidade - salvo nas raríssimas vezes em que estive em praias longe da construída civilidade urbana. O mar também tem esse dom de silenciar tudo ao redor. Quem dera não tivesse areia no caminho até ele.

Não vou mentir, só entendi esse sentimento muito recentemente. Como falei no início, demorei pra estar em paz com muita coisa que correu, e só o tempo permitiu encontrar as perspectivas necessárias pra entender algumas delas. Mas acho que isso é normal, e talvez seja uma das grandes provações da vida, sermos capazes de ter a paciência necessária pra chegar no momento de colocar todos esses eventos nos seus devidos lugares.

Enquanto trânsito pelos caminhos que a vida me apresentou nos últimos tempos - que não vou mentir, têm sido intensos - sigo observando os arredores, buscando outras formas que o mundo tem de silenciar a mente enquanto não posso ouvir de novo o som das araucárias. Será que encontrar esse som é o que nos faz criar algum senso de pertencimento? Duvido que seja só isso. Enfim, quem sabe um dia eu volto pra Mantiqueira pra descobrir.

2 comentários:

  1. Que beleza! Levar o som da brisa nas araucárias...por onde for ...onde estiver...🤗🥰

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