Assisti um bom filme,
recentemente. Não é nem de longe um filme grandioso. Mas é bom. Muito bom. O
nome original é “The Tender Bar”, e veio pra cá como “Bar, Doce Lar”. Amo
traduções brasileiras. Enfim, o filme. O enredo é baseado na história real do
escritor J.R. Moehringer. Você provavelmente nunca ouviu falar dele, e tudo
certo, isso não é uma questão, aqui, muito menos o ponto desse texto.
Aí te pergunto, quem
é esse cara? E pode deixar, eu mesmo respondo. Em resumo, Moehringer ganhou um
Pulitzer escrevendo artigos pra jornais, trabalhou como escritor-fantasma da
biografia de algumas “celebridades” e lançou dois livros próprios, um romance e
sua autobiografia, The Tender Bar.
É, eu sei o que você
tá pensando, “e por quê diabos esse cara é interessante”? Também não fiquei tão
interessado assim em explorar as facetas dessa figura nada emblemática, mas o
filme, esse sim me pegou.
A estrutura da
história é razoavelmente simples, e mostra a vida do autor desde o dia em que
ele se muda pra casa dos avós junto da mãe, passando por diversos momentos
relevantes de sua vida, a ida pra faculdade, primeiro grande amor, primeiro
emprego escrevendo. Mas a estrutura não é o importante, aqui, e talvez nem o
próprio Moehringer, apesar de ser o personagem central, seja.
O que faz esse filme
não ser nada ordinário é a construção das relações. A ligação com a mãe, quase
simbiótica, com um nível de compreensão que beira o telepático entre os dois. O
tio, que é a voz da cabeça e abriu pra ele a porta que dava no mundo, é o
grande incentivador da leitura que o instigou a se tornar escritor.
Cada relação com os
familiares, amigos e pessoas aleatórias que passaram pelas cenas da vida dele é
carregada de sentido e preenche a narrativa de sutilezas que abraçam quem
assiste. Não quero falar demais da narrativa pra não estragar a boa surpresa
que ele pode ser. De repente é possível que essa história não fale com você
como falou comigo, e tá tudo certo. Não é nenhum crime não gostar de um filme,
independente do status que ele recebe. Têm pra todo mundo. Agora me deixa falar
do porquê ele me pegou tanto.
Tenho refletido muito sobre a minha relação
com essas duas artes, literatura e cinema. Minhas memórias mais antigas são
profundamente atreladas às duas. Houve um tempo que eu diria sem pensar duas
vezes que essas lembranças eram sobre comida, e não tenho dúvida sobre o quanto
soaria clichê um cozinheiro dizer isso, mas quando paro pra pensar no assunto
com calma, uma enxurrada de páginas e cenas me passam na cabeça. Comida,
talvez, esteja em segundo lugar, porque as duas definitivamente empatam no topo
desse pódio.
Primeiro a leitura.
Meus pais sempre leram muito pra mim, antes mesmo de eu sequer entender
qualquer coisa. Meus primeiros livros não tinham palavras, e nem precisavam.
Antes de me ensinarem a lê-las, os dois já me ensinavam a ler o mundo. E desde
muito cedo, quando comecei a ensaiar os primeiros passos na compreensão das
palavras, li sem parar. Às vezes mais, às vezes menos, mas é uma coisa que
simplesmente não para.
Não tenho dúvida de que
isso serviu de estopim pra querer criar meus próprios escritos, e talvez essa
seja a parte que mais intriga na literatura, de qualquer gênero que seja: como
alguém cria uma coisa “do zero”? O que passava na cabeça de Dante enquanto
escrevia “A Divina Comédia”? Por quê será que Kafka transformou Gregor Samsa em
um inseto e não em outro animal? Quantos cortiços Aluísio Azevedo visitou antes
de imaginar o seu?
Acho que escrever é
minha própria maneira de tentar responder essa pergunta. Não sei se vai haver
resposta, mas seguirei tentando. Quem sabe o processo não é a resolução desse
enigma? Sinceramente, espero nunca descobrir.
Pulando de uma arte
pra outra, falemos do cinema. As primeiras lembranças que tenho dele são de
assistir Mulan, Tarzan e O Homem Bicentenário – um grande filme que eu só fui
entender mais de uma década depois. Se já tinha ido antes, não saberia dizer,
mas tenho alguma clareza das imagens e sensações de estar naquele lugar. Me
encantava aquela coisa de estar totalmente imerso no filme, e ainda me encanta
do mesmo jeito.
Meu fascínio com o
cinema é o mesmo da literatura, e acho que por isso essas memórias se enlaçam
tanto. Do filme mais refinado, cheio de complexas sutilezas, explorando e
discutindo os mínimos detalhes da vida até a tranqueira mais ridícula que
alguém teria a coragem de gravar, todos me interessam.
Foi o que deu vida
ao Cinemasso – em hiato momentâneo, eu espero – e continua abastecendo minha
paixão pelas histórias. Quero saber os porquês, e talvez os diretores, assim como
eu escrevo textos, produzam seus filmes tentando encontrar suas próprias
respostas.
Essa questão,
talvez, revele o grande esquema das coisas, aqui. Gosto de histórias. Reais,
irreais, até surreais, todas me interessam. Das pessoas, das coisas, do tempo,
do nada, pra todo canto que eu olho tento imaginar as narrativas que regem tudo
ao alcance dos meus olhos ou dessa carne eletrificada que, aparentemente,
filtra e conta todas pra mim. Que privilégio é ter um cérebro.
Há não muito tempo
escrevi sobre propósito, e não sei se isso se enquadra nesse ponto, exatamente,
mas se tem uma coisa pra qual eu pretendo viver é poder testemunhar quantas
histórias forem possíveis, afinal, acho que é assim que vou construindo a
minha. Enquanto isso também vou criando outras, tentando dar meu próprio charme
e elegância pra essa bizarrice incessante que alguns ousam chamar de realidade.
E viva todo filme e livro que compartilhamos e ainda compartilharemos! ❤️
ResponderExcluirMais uma vez, a gente consegue enxergar o fundinho de onde saiu esse escrito👏🏻👏🏻
A brisa da leitura nos faz repensar várias atitudes do dia. Muito bom
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