Cena 1 – Hospital
Ficar doente é uma
merda. Ok, ok, meio óbvio. Mas às vezes o óbvio precisa ser constatado.
Especialmente sentado aqui, na sala de espera do hospital. Meu caso tá longe de
ser grave, provavelmente uma crise de sinusite ou qualquer coisa parecida. Uma
dessas doenças imbecis que te fazem parecer um cachorro Boxer, com a cara meio
inchada e o nariz fazendo barulhos estranhos. Ou será que isso é um Pug? Sei
lá, não entendo muito de cachorro.
A parte realmente
ruim de ficar doente é ir no hospital. Por um lado, em tese você tá indo pro
lugar onde todo mundo tá preparado pra lidar com o que quer que você tenha. Por
outro, observar as pessoas que entram e saem te faz refletir. Um monte de gente
muito pior, sofrendo de verdade, e você ali, com o nariz escorrendo e cara de
bunda, vendo até as pessoas que deveriam saber lidar com tudo aquilo
impotentes, em alguns casos, tentando traçar planos pra tratar coisas que
possivelmente são irreversíveis. A vida humana é muito frágil. Ainda bem que não precisamos passar sóbrios
por ela.
A consulta foi
rápida. As perguntas padrão, raio-x, "realmente sua cara tá
supercongestionada, vou te passar uns remédios, vai tomar por 5 dias, e toma um
atestado, repouso total". Ainda bem que a agenda tá livre.
Cena 2 – Medicado
Acordei com o que
imaginava ser cheiro de café. A senhora Sinusite e suas irmãzinhas Rinite e
Bronquite odeiam felicidade, e o jeito delas expressarem isso é te fazendo
ficar imune ao prazer dos aromas. Um comportamento no mínimo mesquinho e
deplorável.
Levantei, e apesar de
medicado, ainda sentia como se tivesse passado por uma sessão de espancamento,
no dia anterior. Me arrastei até a cozinha e, pra minha surpresa, não tinha
nenhum café. Talvez não devesse me surpreender, já que eu moro sozinho.
Botei água pra ferver,
passei o café e suspirei, quase incapaz de apreciar aquele momento. Mas tudo
bem, mais alguns dias e tudo voltaria ao normal. Mas pra isso, obviamente
preciso me medicar. E que experiência desedificante. Cada um dos três
comprimidos é do tamanho de um cookie. Pra minha infelicidade, nenhum deles tem
gosto de cookie. Sem querer parecer dramático, mas talvez bolachas cream
cracker embebidas em desinfetante fossem menos amargas e desagradáveis.
Pelo menos tem café. Um bom equilíbrio entre vitórias e derrotas.
Cena 3 – Rotina
É impressionante como
seu cérebro se torna incapaz de decidir sobre o que fazer quando você tem muito
tempo livre. Quase como se a possibilidade de ter escolha anulasse sua vontade
de escolher. Na rotina comum, no transporte, no trabalho, indo estudar ou no happy
hour deprimente em um bar com péssimo custo-benefício e gente moderninha
que fica palestrando sobre NFT e daytrade, você consegue traçar com
clareza todas as coisas maravilhosas que preferiria estar fazendo ao invés de
estar ali. Sozinho, em casa, totalmente livre pra escolher, nada.
Liguei a TV. O canal
que tava sintonizado era da TV aberta, aquele do logo redondinho. Dez segundos
de atenção pro programa genérico de variedades e zap, próximo canal. Caí num de
filmes, desses em que quase toda obra exibida é protagonizada por algum brucutu
do cinema oitentista. Um dos meus gêneros preferidos, diga-se de passagem, o de
ação brucutu. O que tá passando agora tem a seguinte sinopse: "policial
sofre atentado, sua família é toda morta e ele entra em coma. Agora, 7 anos
depois, ele acorda em busca de vingança e respostas". Ok, isso parece
confuso, mas interessante.
Ah, olha aí o
protagonista, Steven Seagal. Tinha que ser. Um dos bastiões da inexpressão.
Steven aceitou todo e qualquer tipo de roteiro enviado pra ele, durante a
década de 80, a maioria com premissas muito pouco lógicas. Exatamente como um
bom filme de ação deveria ser. Infelizmente Seagal, além de péssimo ator, é um
péssimo ser humano.
O filme terminou do
mesmo jeito que começou, muita porrada, tiro e falta de sentido. Ok, queimei
duas horas, o que fazer agora? Tanto faz. A rotina de um convalescente é um
ciclo sem fim de nada. Quase num dilema camusiano, um inglório Sísifo todos os
dias rolando montanha acima seu próprio tempo, só pra, no topo, se dar conta do
cansaço e deixar o tempo escapar, descendo montanha abaixo, ininterruptamente. É, talvez viver e convalescer
não sejam coisas tão diferentes assim.
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