sábado, 25 de fevereiro de 2023

Convalescenas

 



Cena 1 – Hospital

Ficar doente é uma merda. Ok, ok, meio óbvio. Mas às vezes o óbvio precisa ser constatado. Especialmente sentado aqui, na sala de espera do hospital. Meu caso tá longe de ser grave, provavelmente uma crise de sinusite ou qualquer coisa parecida. Uma dessas doenças imbecis que te fazem parecer um cachorro Boxer, com a cara meio inchada e o nariz fazendo barulhos estranhos. Ou será que isso é um Pug? Sei lá, não entendo muito de cachorro.

A parte realmente ruim de ficar doente é ir no hospital. Por um lado, em tese você tá indo pro lugar onde todo mundo tá preparado pra lidar com o que quer que você tenha. Por outro, observar as pessoas que entram e saem te faz refletir. Um monte de gente muito pior, sofrendo de verdade, e você ali, com o nariz escorrendo e cara de bunda, vendo até as pessoas que deveriam saber lidar com tudo aquilo impotentes, em alguns casos, tentando traçar planos pra tratar coisas que possivelmente são irreversíveis. A vida humana é muito frágil.  Ainda bem que não precisamos passar sóbrios por ela.

A consulta foi rápida. As perguntas padrão, raio-x, "realmente sua cara tá supercongestionada, vou te passar uns remédios, vai tomar por 5 dias, e toma um atestado, repouso total". Ainda bem que a agenda tá livre.

 

Cena 2 – Medicado

Acordei com o que imaginava ser cheiro de café. A senhora Sinusite e suas irmãzinhas Rinite e Bronquite odeiam felicidade, e o jeito delas expressarem isso é te fazendo ficar imune ao prazer dos aromas. Um comportamento no mínimo mesquinho e deplorável.

Levantei, e apesar de medicado, ainda sentia como se tivesse passado por uma sessão de espancamento, no dia anterior. Me arrastei até a cozinha e, pra minha surpresa, não tinha nenhum café. Talvez não devesse me surpreender, já que eu moro sozinho.

Botei água pra ferver, passei o café e suspirei, quase incapaz de apreciar aquele momento. Mas tudo bem, mais alguns dias e tudo voltaria ao normal. Mas pra isso, obviamente preciso me medicar. E que experiência desedificante. Cada um dos três comprimidos é do tamanho de um cookie. Pra minha infelicidade, nenhum deles tem gosto de cookie. Sem querer parecer dramático, mas talvez bolachas cream cracker embebidas em desinfetante fossem menos amargas e desagradáveis. Pelo menos tem café. Um bom equilíbrio entre vitórias e derrotas.

 

Cena 3 – Rotina

É impressionante como seu cérebro se torna incapaz de decidir sobre o que fazer quando você tem muito tempo livre. Quase como se a possibilidade de ter escolha anulasse sua vontade de escolher. Na rotina comum, no transporte, no trabalho, indo estudar ou no happy hour deprimente em um bar com péssimo custo-benefício e gente moderninha que fica palestrando sobre NFT e daytrade, você consegue traçar com clareza todas as coisas maravilhosas que preferiria estar fazendo ao invés de estar ali. Sozinho, em casa, totalmente livre pra escolher, nada.

Liguei a TV. O canal que tava sintonizado era da TV aberta, aquele do logo redondinho. Dez segundos de atenção pro programa genérico de variedades e zap, próximo canal. Caí num de filmes, desses em que quase toda obra exibida é protagonizada por algum brucutu do cinema oitentista. Um dos meus gêneros preferidos, diga-se de passagem, o de ação brucutu. O que tá passando agora tem a seguinte sinopse: "policial sofre atentado, sua família é toda morta e ele entra em coma. Agora, 7 anos depois, ele acorda em busca de vingança e respostas". Ok, isso parece confuso, mas interessante.

Ah, olha aí o protagonista, Steven Seagal. Tinha que ser. Um dos bastiões da inexpressão. Steven aceitou todo e qualquer tipo de roteiro enviado pra ele, durante a década de 80, a maioria com premissas muito pouco lógicas. Exatamente como um bom filme de ação deveria ser. Infelizmente Seagal, além de péssimo ator, é um péssimo ser humano.

O filme terminou do mesmo jeito que começou, muita porrada, tiro e falta de sentido. Ok, queimei duas horas, o que fazer agora? Tanto faz. A rotina de um convalescente é um ciclo sem fim de nada. Quase num dilema camusiano, um inglório Sísifo todos os dias rolando montanha acima seu próprio tempo, só pra, no topo, se dar conta do cansaço e deixar o tempo escapar, descendo montanha abaixo, ininterruptamente. É, talvez viver e convalescer não sejam coisas tão diferentes assim.

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