terça-feira, 28 de fevereiro de 2023

As Cores Dançam Inconscientes




A casa recém-pintada, toda colorida, ficou exatamente como eu imaginava que ela queria que fosse. E ela sorria toda vez que olhava pras paredes externas, as cores dançando uma valsa harmônica com as árvores, flores e o Sol de fim de tarde no nosso meio-do-mato.

Terminei de cozinhar e levei tudo pra mesa no quintal, nossos amigos sentados e as crianças todas correndo de um lado pro outro, exatamente como crianças deveriam. A fumaça do fogão ainda serpenteava pelo ambiente, e cada riso tingido de vinho dava mais sentido pra nossa utopia.

Sentado na beira da mesa, senti um puxar gentil na manga do casaco e meu coração foi tomado de assalto pela criaturinha mais terna desse e de qualquer outro mundo, de cabelinho preto cacheado e olho verde, pedindo "pai, posso sentar no seu colo pra comer?". Do outro lado da mesa o sorriso da mulher que tinha me dado tudo aquilo dizia o que eu já sabia desde quando a gente se conheceu, é nessas pequenas coisas que a gente sabe que, sem dúvida, cada segundo nesse mundo vale a pena.

Ela pediu pra todo mundo levantar pra tirar uma foto. Preparei o timer, acionei a câmera e fui abraçar meu mundo. Foto tirada, e ela com a nossa pequena amálgama no colo vira pra mim, põe a mão no meu rosto, me dá um beijo e diz, com o mesmo sorriso de antes, "a gente tem que ir, meu amor, mas não se preocupa, a gente volta". Tudo ao redor desvanece repentinamente. Fico sozinho no nada, tomado por uma angústia lancinante. Enfim, acordo. Nada era real, além do aperto e de algumas lágrimas.

Encostei novamente a cabeça no travesseiro, os olhos ainda coçando do choro solitário, e tentei retornar praquela imagem, mas nada vinha. Não consegui mais dormir. Desde então tenho o mesmo sonho todos os dias: me vejo sentado na mesma beira da mesa na frente daquela casa, agora cinza e tomada pela melancolia flácida do tempo, esperando o dia de ver minhas meninas de novo.

segunda-feira, 27 de fevereiro de 2023

Ano Novo (ou um pouco do que ficou guardado no ano passado)



Queria ser dessas pessoas que têm no gatilho palavras ternas e afáveis pra distribuir aos próximos em épocas festivas. Me esforço um bocado, porque ao contrário do que o meu semblante quase sempre sério e pouco animado possa indicar, nutro muito carinho e amor pelas pessoas ao meu redor.

No entanto, raramente encontro a coisa certa pra dizer, e acabo caindo num limbo momentâneo de frases meio genéricas e medo das pessoas acharem que eu tô mandando uma mensagem ou dizendo ao vivo algo que sirva só pra terminar logo com aquilo, numa espécie de missão protocolar pra manter o bem-estar social da minha comunidade. Ledo engano.

Confesso que até aqui, escrevendo esse texto, tenho dificuldade em encontrar as palavras certas. Mas se não são as certas, ao menos esse entrave me levanta outra questão: existem palavras certas? E até que ponto palavras ditas em festas de fim de ano são capazes de realmente expressar nossos desejos pras outras pessoas? Elas refletem a realidade dos sentimentos que direcionamos a elas durante o resto do ano? No íntimo, acredito que não.

Aos que pensam o contrário, tudo certo, mas não posso deixar de dizer que se durante os dias úteis certas coisas não são ditas ou demonstradas, qual o sentido real de expressá-las nos feriados? Se não conseguia encontrar as palavras certas, acho que pelo menos encontrei alguns questionamentos decentes. Ou não, é você que decide. Enfim, novo ano. Força. O resto a gente vai garimpando pelo caminho.

Comida e Afetos




Escrever sobre comida nunca é fácil. Ou melhor, até que é. Mas depois de 10 anos enfiado na toca desse coelho triste, bêbado e ansioso chamado Gastronomia, as perspectivas tendem a ser ligeiramente tendenciosas. Nunca abandonaria a comida, não sou capaz de anular uma das partes mais importantes da minha existência, mas quando a ideia simples de pisar novamente em solo culinário aciona descargas intensas de horror instintivo, talvez seja a hora de rever essa relação. A humanidade perde muito com a minha falta de estabilidade emocional.

Dito isso, e me apoiando indiscriminadamente na pretensa subjetividade de tudo que envolve o ato de comer, vou correr o risco de ser polêmico, apesar de os desafortunados que me conhecem há mais tempo saberem que essas palavras são profundamente plausíveis com o jeito que enxergo o mundo: cozinhar não é uma forma de amar os outros.

Bom, pelo menos não é a única coisa que cozinhar é. Particularmente tendo a pensar que outros afetos são muito mais intensos no cozinhar. Tem a expectativa de quem cozinha, vivendo a suspensão interminável do espaço de tempo entre o servir e o comer, e a do comensal, à quem foi prometido um passeio à Sodoma gustativa. Depois temos, pro cozinheiro, dois desfechos possíveis: decepção e insegurança por não conseguir entregar algo de qualidade ou algum nível de orgulho e soberba por acariciar os sentidos de quem come.

Do outro lado a coisa fica um pouco mais complexa. Quem come pode ser arrebatado pelo êxtase de uma boa refeição ou pela repulsa ao trabalho de uma cozinha que já entregou o jogo. Infelizmente temos um número maior da segunda opção, e deixo pra um próximo texto os motivos assustadoramente recorrentes do porquê um cozinheiro ou uma equipe caem no limbo da má atuação. Mas acho que você consegue imaginar os motivos.

Há ainda uma terceira possibilidade, que particularmente considero o sentimento mais vil e deplorável que um ser humano pode ter: indiferença. Ame ou odeie, mas pelo amor de Baco, não se entregue pra apática possibilidade do "tanto faz". Se alguém gosta do que você faz, ótimo, continue seguindo esse caminho. Se desgostam, bom, melhor repensar suas decisões. Como dizia Gramsci, viver é tomar partido.

Goste do que você gosta ou odeie o que odeia, mas se entregue de corpo e alma pro alimento. É um primeiro passo importantíssimo pra entender a louca profusão de afetos que a comida tem pra te oferecer e largar a mão dessa pressão baixa em que sobrevive a gastronomia.

sábado, 25 de fevereiro de 2023

Convalescenas

 



Cena 1 – Hospital

Ficar doente é uma merda. Ok, ok, meio óbvio. Mas às vezes o óbvio precisa ser constatado. Especialmente sentado aqui, na sala de espera do hospital. Meu caso tá longe de ser grave, provavelmente uma crise de sinusite ou qualquer coisa parecida. Uma dessas doenças imbecis que te fazem parecer um cachorro Boxer, com a cara meio inchada e o nariz fazendo barulhos estranhos. Ou será que isso é um Pug? Sei lá, não entendo muito de cachorro.

A parte realmente ruim de ficar doente é ir no hospital. Por um lado, em tese você tá indo pro lugar onde todo mundo tá preparado pra lidar com o que quer que você tenha. Por outro, observar as pessoas que entram e saem te faz refletir. Um monte de gente muito pior, sofrendo de verdade, e você ali, com o nariz escorrendo e cara de bunda, vendo até as pessoas que deveriam saber lidar com tudo aquilo impotentes, em alguns casos, tentando traçar planos pra tratar coisas que possivelmente são irreversíveis. A vida humana é muito frágil.  Ainda bem que não precisamos passar sóbrios por ela.

A consulta foi rápida. As perguntas padrão, raio-x, "realmente sua cara tá supercongestionada, vou te passar uns remédios, vai tomar por 5 dias, e toma um atestado, repouso total". Ainda bem que a agenda tá livre.

 

Cena 2 – Medicado

Acordei com o que imaginava ser cheiro de café. A senhora Sinusite e suas irmãzinhas Rinite e Bronquite odeiam felicidade, e o jeito delas expressarem isso é te fazendo ficar imune ao prazer dos aromas. Um comportamento no mínimo mesquinho e deplorável.

Levantei, e apesar de medicado, ainda sentia como se tivesse passado por uma sessão de espancamento, no dia anterior. Me arrastei até a cozinha e, pra minha surpresa, não tinha nenhum café. Talvez não devesse me surpreender, já que eu moro sozinho.

Botei água pra ferver, passei o café e suspirei, quase incapaz de apreciar aquele momento. Mas tudo bem, mais alguns dias e tudo voltaria ao normal. Mas pra isso, obviamente preciso me medicar. E que experiência desedificante. Cada um dos três comprimidos é do tamanho de um cookie. Pra minha infelicidade, nenhum deles tem gosto de cookie. Sem querer parecer dramático, mas talvez bolachas cream cracker embebidas em desinfetante fossem menos amargas e desagradáveis. Pelo menos tem café. Um bom equilíbrio entre vitórias e derrotas.

 

Cena 3 – Rotina

É impressionante como seu cérebro se torna incapaz de decidir sobre o que fazer quando você tem muito tempo livre. Quase como se a possibilidade de ter escolha anulasse sua vontade de escolher. Na rotina comum, no transporte, no trabalho, indo estudar ou no happy hour deprimente em um bar com péssimo custo-benefício e gente moderninha que fica palestrando sobre NFT e daytrade, você consegue traçar com clareza todas as coisas maravilhosas que preferiria estar fazendo ao invés de estar ali. Sozinho, em casa, totalmente livre pra escolher, nada.

Liguei a TV. O canal que tava sintonizado era da TV aberta, aquele do logo redondinho. Dez segundos de atenção pro programa genérico de variedades e zap, próximo canal. Caí num de filmes, desses em que quase toda obra exibida é protagonizada por algum brucutu do cinema oitentista. Um dos meus gêneros preferidos, diga-se de passagem, o de ação brucutu. O que tá passando agora tem a seguinte sinopse: "policial sofre atentado, sua família é toda morta e ele entra em coma. Agora, 7 anos depois, ele acorda em busca de vingança e respostas". Ok, isso parece confuso, mas interessante.

Ah, olha aí o protagonista, Steven Seagal. Tinha que ser. Um dos bastiões da inexpressão. Steven aceitou todo e qualquer tipo de roteiro enviado pra ele, durante a década de 80, a maioria com premissas muito pouco lógicas. Exatamente como um bom filme de ação deveria ser. Infelizmente Seagal, além de péssimo ator, é um péssimo ser humano.

O filme terminou do mesmo jeito que começou, muita porrada, tiro e falta de sentido. Ok, queimei duas horas, o que fazer agora? Tanto faz. A rotina de um convalescente é um ciclo sem fim de nada. Quase num dilema camusiano, um inglório Sísifo todos os dias rolando montanha acima seu próprio tempo, só pra, no topo, se dar conta do cansaço e deixar o tempo escapar, descendo montanha abaixo, ininterruptamente. É, talvez viver e convalescer não sejam coisas tão diferentes assim.

quinta-feira, 16 de fevereiro de 2023

Histórias Escritas em Blocos de Nota



 

Comentário rápido: Histórias Escritas em Blocos de Nota foi escrita originalmente em 22 partes diferentes. Devia ter começado a escrever aqui, logo. Enfim, a história.


Às vezes, uma história é só uma história. Sem implicações, moral ou lição a ser aprendida. Só um lembrete da sua própria passagem pela vida, nada demais.
Outras, um Post-It pendurado na sua mente, te lembrando o tempo todo que você é a caneta que escreve naquele papel de colorido tosco e excessivamente neon, gritando pra você que ele não serve pra nada, vazio, implorando por preenchimento com tinta e vida.

Mas existe uma situação muito específica em que a história urge por intenção, propósito, exige ser não só escrita, mas adaptada pra cada tipo existente de mídia, injetada na mente das pessoas pra gritar aos 4 cantos a sua vida, implorando pra cada consciência alcançada "POR FAVOR, NÃO SEJA COMO ESSE IMBECIL"! Você, aí do outro lado, lendo isso, com certeza já imagina de que tipo essa história vai ser.

Era terça-feira. Acordei, abri a janela e a luz do Sol me fez ter vontade de voltar a dormir. Cretino. Quem se acha no direito de jogar luz forte na cara dos outros logo de manhã? "Ah, mas é uma estrela, o que você esperava?". Um pouco de decência e respeito, cacete! É pedir demais, pela manhã? Respirei fundo, ainda ligeiramente aflito pela violência gratuita do Universo, botei uma roupa de ficar em casa - não que o pijama não seja - e fui fazer café. Era uma sequência quase ritual, essa, e ainda é. Parece que cada passo desse tango moribundo ativa pequenos grupos de neurônios, até que o primeiro gole do café transforma sua cabeça numa lambada quentíssima, pronta pra transformar a vida em arte e caos. Que delícia.

Sei que isso soa muito como papo de gente ranzinza, estressada ou qualquer coisa parecida. Mas "ranzinza" virou uma espécie de uniforme, farda, qualquer merda do gênero, pra manter longe gente que passou a vida toda julgando seus gostos e gozos como quem tem autoridade sobre o quê na vida tem ou não qualidade. Uma estranha casta de patrulha da regularidade, gente meio blasé, que raramente se agrada com alguma coisa, e criou gosto por tentar converter todo transeunte desavisado em uma massa cinza (olha a metáfora clichê de escritor infanto-juvenil) de descontentamento com a boa foda alheia. Sai fora, maluco! Me deixa curtir meu Billy Zane em paz! Ah, inclusive, saindo daqui vou comer com uns amigos, a gente vai discutir um projeto novo, tá afim de vir? O lado de cá também tem abraço.

Do que eu tava falando, mesmo? Ah, é, manhã de terça. Peço perdão pelo desvio de assunto, e preciso deixar bem claro que não pensei em absolutamente nada disso, naquele dia. Alguém capaz de estruturar mais de uma linha de pensamento numa manhã no início da semana devia ser submetido à testes, já que claramente é alguém que sabe demais. Sobre o que exatamente ela sabe demais? Não faço ideia, mas também não sei se quero saber.

Enquanto era tomado pelo bailão sináptico patrocinado pela cafeína, o telefone vibrou. Confesso que não lembro exatamente o horário, mas era cedo o bastante pra achar razoável não dar atenção imediata praquela notificação. Pessoas mais próximas diriam que eu faço isso em qualquer momento do dia, e não tiro completamente a razão delas, mas o bom senso me impede de ser um completo calhorda. Responda suas mensagens, parça! Mais uma vibração. Ok, talvez seja importante, se vibrar mais uma vez eu olho. Um minuto passou e nada. Um gole no café, uma zapeada na TV. BZZZZZ! É, com certeza foi a terceira, hora de parar de ignorar essa pessoa.

"Mano, vem pra cá, no fim de semana! É meu aniversário, não vai ter nada demais, vou chamar algumas pessoas aqui pra casa, só pra fazer um rango e encher a lata de cerveja". Ok, me ganhou na cerveja. Não que um convite feito pela minha melhor amiga, por si só, não me ganhasse. Mas porra, uma cervejinha é uma cervejinha. Além do mais, depois de tanto tempo sem passar uns dias com ela, tava mais do que na hora.

Minha vida, naquele momento, corria igual óleo de motor. Só que o motor tava num Chevette 74, rodando uns 30 mil quilômetros a cada 6 meses sem nunca ser trocado. Talvez fosse a hora de respirar um ar diferente.

"Beleza, eu vou! Chego aí na sexta, lá pelas 17". Digitei enquanto comprava a passagem de ônibus, mais ansioso do que eu esperava. Sinceramente, andava tão na fossa que mesmo velhos e amigáveis gostos já ficavam meio de lado, parecendo desimportantes diante do louco arrasto chamado rotina. Aquela viagem por si só já era o maior evento em uns 2 anos, e só de saber que ia passar uns dias longe do eu-mesmo diário, cozinhando pra gente conhecida (ou não) e falando de loucuras passadas que, no geral, seriam entupidas de informações inventadas porque, na boa, a gente vivia demais pra lembrar das coisas com clareza, me bastava. Ah, claro, também era aniversário da minha melhor amiga.

Sexta-feira. Trabalho, almoço, trabalho, "tudo bem se eu sair mais cedo? Tenho um compromisso muito importante". Casa. Malas. Opa, quase esqueci o antialérgico. Ah, bom levar um negocinho pro fígado, também, como dizia meu vô, "se combate fogo com fogo". Ou melhor, água, faz muito mais sentido. O velho tinha ditados estranhos. Táxi. Rodoviária. Meu deus, essa foi a pior coxinha da história. Pelo menos lembrei de desviar do café fresco há 12 horas. Essa coquinha vai descer limpando tudo. Ônibus. Aqui, uma breve pausa, porque todo mundo sabe que sentar na janela do ônibus de viagem significa contemplação da vida... Que saco, quem teve essa ideia?

Enfim, São Paulo. Cidadezinha deprimente. Bom, toda grande cidade é. Tive umas propostas de mudar pra cá, meses atrás, mas prefiro um chute na cara. Só tem uma cidade grande nesse país que merece meu brilho, mas essa história fica pra outra hora.

Da rodoviária até a casa da autointitulada "Voz da minha consciência" eram no máximo 15 minutos de caminhada. Obviamente peguei um táxi. Paguei a corrida e fiz questão de deixar uma gorjeta, já que o motorista tinha uma característica peculiar que muito me agradava, não emitir uma única palavra no caminho todo. A sociedade precisa normalizar não gostar de papo furado. Sem demagogia, sem desconforto, um silêncio respeitoso entre duas partes que definitivamente não tem tanto interesse assim uma na outra.

Peguei minha bolsa, saí do carro e olhei pra porta do prédio. Claro que eu não lembrava o número do apartamento. Liguei pra Voz. "Aí, tô aqui embaixo". "Ih, cacete, por quê tu não avisou que já tava na cidade? Tive que correr na padaria". Óbvio que eu esqueci, né. "Mas não se preocupa, é pertinho, já tô voltando". Ok, sem grilos, afinal de contas a única culpada é minha memória tosca. Todo proletário devia ter garantido por lei jogar a culpa do esquecimento no capitalismo. Convenhamos, esse babaca tem MUITA culpa no cartório.

Voz chegou uns 10 minutos depois, tomando uma água de coco e fumando um cigarro. A visão da saúde. Abrimos sorrisos quase simultâneos, dei um abraço nela e um beijinho na testa. Fofinho demais. A decoração do apartamento da Voz sempre me surpreendia. Absolutamente nada tinha mudado de lugar, mas era tanta informação que toda vez que eu chegava um novo detalhe me chamava a atenção. Dessa vez, era um vaso gigante com uma orquídea minúscula, pendurado em cima da televisão, que fisgou meu foco. Bela flor. Compunha muito bem com as outras 715 variações de cores da coleção de quinquilharias dela. Amo minha amiga, logo me reservo o direito de falar só isso.

Ela me deu uma cerveja e um soco no braço totalmente sem propósito - ou melhor, o propósito era um mistério - e anunciou que já tinha combinado um rolê. "Mas a gente não ia ficar aqui e cozinhar?", perguntei, já totalmente desolado com a ideia de ter que INTERAGIR com o urbanismo desconexo, moderninho e excessivamente movimentado do Centro de São Paulo. "Íamos, mas hoje é meu aniversário e de presente, eu quero que você me dê interação social". Olha só, mas que babaquinha! Golpe sujo! Totalmente descabido! Infelizmente a vida adulta é não ter pra quem reclamar quando você cai numa armadilha. "Tá bom. Pelo menos a gente vai num lugar que dá pra comer? Meu almoço foi uma coxinha merda".

Antes que a dúvida surja, eu comprei um presente pra ela. Sempre fui péssimo pra presentear as pessoas, especialmente porque não vejo sentido em dar uma coisa sem que eu saiba que tem total utilidade pra infeliz vítima da minha falta de senso. No fim das contas, livros sempre foram minha ferramenta de escape, um ótimo artifício pra esconder que: 1-você não conhece tão bem a pessoa, e: 2-você esqueceu completamente que tinha que comprar um presente. Mas com o livro, tudo certo. A pessoa gosta de comédia? Perfeito! Entra na livraria e pede dica de bons livros com estórias leves e descompromissadas. Tiro certeiro. Na pior das hipóteses, a pessoa pode aparecer por lá e trocar pelo que ela achar conveniente. Tudo certo.

Com a Voz, no entanto, a tarefa era muito simples. Ela gostava de cinema tanto quanto eu, e na mesma semana meu livreiro-amigo tinha comentado de um lançamento, sobre um diretor de cinema falido que recebia um roteiro perdido de um grande cineasta do passado. Nem pensei duas vezes, esse tipo de conjunção Universal não acontece todo dia. Comprei, embrulhei e, na casa dela, entreguei. Ela disse que já tinha lido. Puta merda. Pelo menos a aposta tinha algum nível de acerto. Às vezes a derrota é só parcial.

Pela primeira vez em meses não vesti o look "moletom surrado com cheiro de cama e mancha de café". A ocasião merecia esmero, e minha amiga não merecia ser vista na rua ao lado de um ermitão desgrenhado à la Padre Sérgio de Tolstói. Camisa bonita, minha clássica jaqueta jeans, tudo certo pra enganar quem achasse que eu passei mais de 5 minutos ponderando aquele visual.

Voz tem um senso de estética invejável, então prefiro não falar de como ela estava, pra poder esquecer em paz que, em comparação, eu ainda parecia um ermitão, do lado dela. Mas tudo bem, boas amizades também se fortalecem nas diferenças. "A gente precisa chegar um pouco mais cedo no bar, pra poder segurar a reserva da mesa. Tudo bem?". "Claro, é bom que dá pra beber antes das pessoas chegarem, aí pelo menos eu consigo fingir que sei me comunicar com outros seres humanos". "Cara, a gente precisaria ter chego lá há umas duas horas pra você beber até esse nível". Canalha demais. Infelizmente não posso dizer que é mentira.

Chegamos no bar. Um lugar descoladinho, de teto meio baixo pra uma aberração vertical como este que lhes narra a própria desventura. Mas interessante, muito interessante. Bar com cara de bar, boa variedade de bebidas, drinks clássicos e comida. Amém! Enfim ia tirar da boca o gosto amargo de derrota que só coxinha velha de rodoviária tem. Pedimos uma seleção um tanto robusta de beliscos, pra garantir a proteção antialcoólica necessária pra noite que se iniciava.

Umas duas ou três cervejas depois, as outras convidadas e convidados começaram a chegar. Alguns rostos conhecidos, outros não, mas uma galera muito simpática. A bebida já tinha me dado algum nível de desenvoltura social, então um pouco de diálogo não faria mal a ninguém. No algoritmo que move a minha mente, existe proporcionalidade absoluta entre tempo, álcool e capacidade discursiva. Com uma hora de bar, eu já tinha praticamente me convertido no Orson Welles da boemia.

Tudo corria como planejado. Nessa hora, e sabe-se lá por quê, a vida resolveu que seria de bom tom me aplicar uma voadora no peito, um golpe milimetricamente calculado pra desestabilizar completamente minha já instável noção dos eventos. Voz me puxou pelo braço. "Vem cá, vou te apresentar pra uma amiga".

Lembro com a mais absoluta clareza da primeira vez que eu a vi. Certeza que tinha um operador de iluminação apontando um holofote pra ela. Talvez mais que um. Talvez até fosse o álcool, mas tenho quase certeza que, naquele momento, a noite virou dia. Sem dúvida nenhuma o Universo amava aquela mulher. Usar qualquer descrição objetiva seria injusto com a visão que se apresentava.

Só consigo pensar em coisas completamente insanas, quase como se São Paulo Apóstolo tivesse criado obras lovecraftianas. Um emaranhado entrópico de tudo que os velhos gregos usariam pra exemplificar o conceito de "Belo". Não confundir com o cantor, pela Graça do bom senso.
Fiquei atordoado. Voz da Consciência sacou na hora. A gente sempre saca essas coisas um do outro, quase uma telepatia adquirida por quem nadou junto na fossa.

Eu não tava preparado. Nem sei se tinha como estar. Como falar alguma coisa que fizesse sentido? "Essa é a X!". Pra todos os efeitos, e também pra te deixar livre em se identificar com a história da forma que lhe convir, pense o nome que você quiser. "E aí, tudo bom?". "Tudo bem! Você tem cara de professor falido". Telepata, com certeza. Ainda não era professor, mas de fato eu tava meio falido. "É o que todo mundo diz" foi a única frase que eu consegui formular.

Não tenho certeza se o objetivo era me elogiar ou jogar na minha cara que ela já tinha desvendado absolutamente cada detalhe da minha existência, mas não importa. Por dentro eu tava derretendo, tentando compreender o que tava acontecendo ali. Ela não parava de me olhar, como se estivesse cavucando minha psique em busca de mais informações pra me deixar totalmente desarmado, incapaz de reagir. Já viu Predador 2? Eu era o Danny Glover correndo de um lado pro outro de mim mesmo enquanto ela me desmontava totalmente.

Amor à primeira vista? Claro que não. Mas com certeza me perdi no maremoto daquele olhar. "Vou pegar mais cerveja, vocês querem alguma coisa?". "Não, X, relaxa", falou a Voz, não sei se pra ela ou só na minha mente. Talvez os dois. Ela foi em direção ao balcão do bar. "Cacete, mano, nunca te vi desse jeito!". "E eu nunca vi nada assim". "Sabia que vocês iam se dar bem". Bem? Eu tava completamente desidratado.

Observei todo o trajeto dela como se prestasse atenção em uma apresentação de Lago dos Cisnes. Talvez a fluidez do movimento fosse totalmente criada pelo meu estado de torpor completo, talvez ela fosse o ser mais gracioso que já pisou na face de qualquer corpo celeste em todo o Universo.
Minha única certeza é que não conseguia desviar o olhar. Nunca imaginei que um ser humano pudesse gerar gravidade, mas aparentemente ela podia. E meus olhos eram a Lua.

Ela voltou com duas cervejas e duas doses de rum envelhecido. "Você sabe que vai beber comigo, né?". Agora eu sabia, era simplesmente impossível negar aquela intimação. "Eu já sabia, se tu tinha dúvida é outra história", falei, tentando criar algum nível de impacto. Falhei miseravelmente! Rimos da minha completa rendição. "Me conta sua história, não omita nada", ela disse. "Minha história não é muito interessante". "Se você contar com os mínimos detalhes, toda história é interessante". Ela realmente queria ouvir essa história. E eu contei.

Aqui, faço uma breve pausa. Não vou entrar em detalhes sobre minha vida. Não porque eu tenha algum problema com me expor, nem nada parecido. Mas gostaria de propor pra você, que lê, o exercício de imaginar quem eu sou. De onde eu vim, pra onde eu vou, todo e qualquer detalhe que você quiser. Pense em mim não como um livro aberto, mas um diário ou documento de Word, esperando seu relato sobre as aventuras pregressas do protagonista simplório de um conto qualquer. Fim da pausa.

"Agora me conta sua história". "Claro que não! Quem sai falando da própria vida pra qualquer um, assim?". Mas o quê? Cacete, que sacana! Me joguei de cabeça numa cilada! Infelizmente o Pedro do meu Bino, vulgo Voz da Consciência, tava ocupada não dando a mínima. A gente tinha uma política de pouca ou nenhuma interferência em situações específicas da vida um do outro. Ela deve ter achado que eu tinha total controle da situação. Minha amiga nunca esteve tão errada. Mas é como dizem, tá no Inferno, abraça o Capeta.

Falamos sobre fé, revolução, cinema e jogo do bicho. Nunca na vida tinha encontrado alguém tão encantadoramente estranha. Depois de um longo momento de choque com os eventos que se sucediam, agora as palavras verdejavam alegres na minha cabeça. Um nirvana dialógico. Não saberia precisar por quanto tempo rodou o papo. Na minha mente, apenas um grupo de arqueólogos e astrônomos teria os equipamentos necessários pra medir o decaimento do nosso carbono-conversa. No mundo real, no máximo umas 3 horas.

"Vou no banheiro e depois vou pegar mais cerveja. Quer mais uma?". "Óbvio! Que pergunta idiota, achei que você era mais inteligente". Nosso diálogo entrou num nível de intimidade que nenhum dos dois tinha com conhecidos de anos. Fui e voltei. E ela tinha ido embora.

Vocês não sabem o volume de coisa que pode passar em pouquíssimo tempo na cabeça de um imbecil. Afinal de contas, ele precisa achar um motivo realmente MUITO BOM pra justificar a própria imbecilidade. E sejamos claros, muito bom só pra ele, porque qualquer pessoa com um mínimo de bom senso olharia pra justificativa e pensaria "meu, você tá de brincadeira, né?". Foi o que aconteceu. Em segundos, passou um milhão de coisas na minha cabeça, uma miríade inimaginável de possibilidades sobre o motivo pra "X" simplesmente sumir. A maior parte passava por me odiar. "Ela disse que tava cansada, deixou beijo e falou que quer almoçar com a gente, amanhã", Voz falou. O motivo mais óbvio do mundo. Talvez eu devesse ser menos dramático.

Mal consegui dormir. O espectro da imagem dela ficou gravado na minha retina mais forte do que iluminação de rave. Mesmo no escuro, seu rosto era perfeitamente visível. Assustador e fascinante na mesma proporção. Amanheceu, e mais uma vez fui arbitrariamente agredido pelo Sol, dessa vez com os agravantes ressaca leve e Voz gritando "levanta, cacete! Bora no mercado!". Pensei uns 15 xingamentos diferentes, mas fiquei na minha, porque ela com certeza podia me moer de pancada, mesmo se eu estivesse em pé. Gosto de preservar minha integridade física.

Levantei, tomei um banho morno e engoli meio litro de café. Novinho em folha, pronto pra encarar o mundo externo sem parecer um gótico. No caminho pro mercado formulei um cardápio inteiro pro almoço. Importante frisar que ainda era cedo, por volta das 9h, tinha tempo hábil pra invenção. Óbvio que o que falava mais alto era minha vontade de impressionar "X". E claro, fazer um rango legal pra Voz, pra ver se conseguia, ainda que minimamente, compensar o presente "já-li-vou-trocar" que dei pra ela.

Dizem que cozinhar é um ato de amor. Discordo plenamente. Vá em um restaurante e peça pra conversar com qualquer cozinheiro que não seja o chef. Cozinheiros são pessoas cansadas, ligeiramente curvadas, com cara de poucos amigos e uma vontade insaciável de café. Já convivi com um número considerável deles, quase todos ótimos em seu ofício, todos eles odiadores incuráveis da gastronomia. E o ódio é a forja que refina a habilidade de um bom cozinheiro.

Costela de porco, cebola roxa, alho, coentro, abacate e muita pimenta. Fazer comida muito-pseudo-mexicana é uma das coisas mais prazerosas que existe, especialmente pra gente que você sabe que ama a sensação viciantemente inglória de comer quantidades obscenas de pimenta. Perguntei pra Voz se X também gostava dessas coisas, a resposta foi positiva e me permiti sair desembestado pelo mercado pegando tudo que eu achava pertinente. Por pertinente quero dizer estourar meu orçamento comprando ingredientes ridiculamente bons e totalmente necessários, ao contrário do que alguns poderiam dizer. Meu rango, minhas regras.

Voltamos pra casa. Eu com o sorriso pueril de uma criança que ganhou todos os brinquedos que queria e Voz rindo de mim. Nós dois estávamos felizes como há muito tempo não acontecia. Nossa amizade começou no período que fomos vizinhos, uns 8 ou 9 anos atrás, quando moramos em outro estado, ela estudando, eu trabalhando. Tempos difíceis. No começo, ninguém diria que duas pessoas tão diferentes poderiam sequer começar a se comunicar. Um dia ela ficou doente e não tinha ninguém pra ajudar ela. Bateu na minha porta, e fui com ela no hospital. O resto é história.

Botamos cerveja pra gelar e comecei a cozinhar. X chegou uns 20 minutos depois, deu um abraço na Voz e um soco no meu abraço. Qual é a dessa onda de me socar? Que loucura! "O que que eu faço? Vou te ajudar a cozinhar". "Isso é um pedido de desculpa pelo socão?". "Claro que não, eu só quero cozinhar com você". "E como eu vou saber que você não vai cagar minha comida?". "Eu tenho cara de quem caga a comida dos outros?". Queria falar que ela tinha cara da mulher com quem eu queria passar o resto da minha vida, mas achei que seria precipitado.

Passei uma tábua, faca e uns ingredientes pra ela cortar. Voz ligou música e ficamos ali, bebendo, cozinhando e falando sobre todo tipo de bobagem. "Tá, agora vocês duas se mandem da cozinha, que vou finalizar as coisas". Comida pronta, louça lavada - tenha dignidade e faça o serviço completo, por favor - montamos a mesa e sentamos. Não foram necessárias mais do que duas garfadas pra ambas se renderem completamente à comida. Modéstia à parte, sou um bom cozinheiro. "Cara, totalmente compensou ter ganho um livro repetido". "Vai falar ISSO só pra não admitir que eu cozinho bem? Que falta de criatividade". "Sai fora, cara, eu não vou ser a responsável por alimentar seu ego colossal". X riu. Eu não tava valendo nada.

Pós-almoço, e Voz simplesmente capotou. Compreensível, dado o resquício de desgaste da noite anterior com o volume gargantuano de almoço e cerveja que ela ingeriu. Tive que fazer sala pra X. Que chato, realmente uma provação. Mais um pouco de conversa e ela disse "Meu, preciso te mostrar um filme. Você gosta de cinema dos anos 80, né?". "E tem alguém que não goste?". "Infelizmente. E a gente tem que ACEITAR isso. Devia ter alguma lei obrigando as pessoas a gostarem de filmes oitentistas. Psicopatas do cacete!". Quanta sensibilidade.

Quando ela entrou no site de vídeos (que não será citado por motivos de não estão me pagando) e não num serviço moderninho qualquer de streaming, já sabia que tipo de experiência vinha. Pra quem se permite alimentar a criança interior com os tipos mais corrosivos de gulocrimes e chocodoces, o cinema trash oitentista é um banquete sem igual. Palhaços alienígenas homicidas, paladinas desnecessariamente seminuas combatendo magos chineses, crianças descoladas aprontando altas confusões com um homem das cavernas. Absolutamente nenhuma ideia era insana demais pra década de 80. E X escolheu a dedo.

O filme era sobre um cientista quase morto numa explosão química causada pelo próprio chefe, que teve o corpo roubado pelo canalha e transformado numa máquina de matar, tentando lutar contra esse instinto enquanto refletia sobre o que é ser humano. Arte em seu ápice. Fiquei embasbacado. Olhei pra ela boquiaberto. Ela sorriu. "Sabia que você ia gostar, seu esquisitinho".

Passamos o resto do dia vendo um filme após o outro, conversando, rindo e discutindo os conceitos mais esdrúxulos que cada um deles tinha pra oferecer. Sentia a cumplicidade sendo construída em cada olhar, gesto e riso. Cada minuto parecia um mês inteiro na companhia um do outro. Nem nos demos conta que já era noite. Voz havia acordado umas duas horas antes, e assistiu o último filme com a gente. Terminou, pedimos pizza e comemos discutindo tudo que havia rolado durante os últimos dois dias. Voz olhava pra gente e sorria, como quem se orgulha de ver um filho ganhando um concurso infantil de desenho.

"É isso, gente, tá na minha hora, vou meter o pé". "Mas já? Ainda tá cedo!". "Não dá pra ficar mais. Combinei com a minha tia de passar o dia com ela, amanhã. Café da manhã, almoço e janta". Tá aí uma figura pouco enaltecida na literatura. Tias costumeiramente cuidam de você como que das próprias crias, com a diferença de te deixarem fazer tudo que seus pais não deixam. Sem dúvida figuras que merecem mais atenção.

Ela abraçou Voz, e eu a acompanhei até o portão do prédio. Minhas pernas tremiam. 12 andares de conjectura sobre tudo que eu queria falar pra ela. Mas não conseguia. Não sabia como. A gente se conhecia há menos de 48 horas, como eu poderia ter a pretensão de sentir alguma coisa? Não que eu pensasse que não fosse recíproco, mas nem uma única palavra saía da minha boca. Sentia como se alguém tivesse invadido minha cabeça e virado a chavinha. Nada. Totalmente incapacitado. O táxi dela já tinha chego. "Acho que é isso. Valeu por ontem e hoje. Foi um dos melhores fins de semana da minha vida". "Da minha também" foi tudo que eu consegui verbalizar. Patético. Ela me encarou por uns 10 segundos, certamente esperando que eu fizesse ou dissesse algo além de encarar de volta. E eu quase desmaiei. Ela me abraçou rápido, virou e entrou no táxi. E eu, parado, a fiquei observando desaparecer.

Acabou. É isso mesmo, acabou. Deixei a chance passar de forma irremediável. Por quê? Nem eu sabia. Talvez fosse medo de não ser bom o bastante, de não atingir algum tipo de expectativa, vai saber. Depois de tanto tempo, olhando com a perspectiva de quem passou por outras poucas e boas, se arriscou e viveu tudo que podia, a resposta é muito mais simples. Foi simplesmente medo de admitir que compartilhar uma coisa boa com alguém tão singular me assustava. Não fazia a menor ideia de quais poderiam ser os desdobramentos daquilo. Sequer sabia se haveria qualquer desdobramento. Enfim, é como diz o ditado, nunca achei que ia ser otário. Fui otário.

Voltei pra casa no dia seguinte, cedo, remoendo a estupidez express que só um grandessíssimo tapado como este que vos fala poderia entregar. Anticlimático, né? Mas é isso aí, a vida é anticlímax, vai se acostumando, bem. Quem sabe algum dia não é você, aqui desse lado, compactando vacilo em arte, sendo o autor desse conto tosco e desconexo pra entreter os outros? Abre a lona e monta seu próprio circo. Pelo menos é você que vai ditar quem é o palhaço da história.



segunda-feira, 13 de fevereiro de 2023

Lembro



Esse é o primeiro texto que eu escrevi sem algum objetivo específico, uma tentativa inicial de exercitar a escrita, por volta de 2016. Algumas poucas pessoas leram, e nem tenho muita certeza se eu gosto dele, mas temos que conviver com muitas coisas que não gostamos, essa pelo menos fui eu que fiz 😄😄😄


"Lembro que eu abria a porta da sacada e a luz entrava, pintando as paredes de Sol. Lembro também do seu resmungo, dizendo que era cedo demais e virando pra fugir da claridade.

Enquanto você se aconchegava de novo, tentando fingir que a sacada nunca tinha sido aberta, eu preparava café, atrapalhado e meio sonolento, rindo baixo do seu repúdio momentâneo pelo dia, sabendo que em algumas horas você amaria o calor suave combatendo o frio do inverno eterno da cidade.

Depois de algum esforço pra te convencer que tomar café na mesa era melhor que na cama (sei que não era, mas evitava a bagunça inevitável que aconteceria), a melhor parte da nossa manhã acontecia.

Te olhar sentada, com os olhos entreabertos, se deixando abraçar pela luz do dia e bebericando o café me lembrava de tudo que era apaixonante em você.

Os pequenos gestos e às vezes as poucas palavras que se fundiam num mesmo instante com longos olhares e a respiração profunda. Tudo isso fazia cada segundo parecer a vida inteira".

quinta-feira, 9 de fevereiro de 2023

Eu Mesmo e as Notas da Beira-Mar

 



Olá! Talvez você já me conheça, talvez não. Em todo caso, não custa nada uma breve reapresentação. Eu sou o André. Tô na beira dos 29 anos e confesso que ainda acho um tanto difícil me descrever pra além disso, especialmente num espaço público, já que eu tenho certeza de que cada pessoa que me conheceu diria coisas completamente diferentes sobre mim. E, obviamente, nenhuma delas estaria incorreta.

No fim das contas nós somos, pra além do que enxergamos em nós mesmos, um emaranhado incoerente de tudo que já mostramos pros outros, sejam coisas boas ou ruins, e todas elas nos definem de alguma forma.

Enfim, fora a divagação sobre identidade, o que pode ser dito de concreto e objetivo é:

1 – Sou (ou fui) cozinheiro profissional. Essa é uma relação conturbada, e acredito que a cozinha teria opiniões tão contundentes sobre mim quanto eu tenho sobre ela. Nos últimos 11 ou 12 anos me formei em Gastronomia e me especializei em História da Alimentação, Cozinha Brasileira e Docência do Ensino Superior. Se continuo um bom cozinheiro, só perguntando pra quem come minha comida, prefiro evitar a auto bajulação.

2 – Apresento um podcast, meu xodó, uma das coisas que mais me dá prazer nessa vida, o Cinemasso. Sempre amei cinema de baixo orçamento e sua constante tentativa de entregar o máximo de entretenimento com o mínimo de recursos e com ainda menos reconhecimento. Meu objetivo, junto com meus queridos amigos Gabriel, Igor, Thiago, Pedro e Matheus, é alimentar a criança interior de cada pessoa que já riu de um filme de animal esportista ou zumbi de efeitos práticos e, de quebra, assistir um monte de tranqueira que a gente ama.

3 – Sou estudante de Análise de Sistemas. Essa é uma peripécia que eu tô entendendo ao longo do caminho aonde vai dar. Comecei o curso mais no ímpeto de tentar uma coisa nova pra ver se me livro da eterna pindaíba de trabalhar com alimentação e no final das contas acabei gostando bastante. Vejamos o que o futuro reserva.

4 – Escrevo pra desafogar o fluxo interminável de pensamentos. Sempre fui um leitor ávido, passei por um período razoavelmente longo de leituras voltadas quase que exclusivamente pros estudos e agora, enfim, estou redescobrindo o prazer de ler por ler. Sempre me encantou a capacidade de quem escreve de articular e organizar histórias, possibilidades ou a própria realidade, mas nunca achei que tivesse bagagem ou habilidade o bastante pra isso. De uns 2 ou 3 anos pra cá resolvi começar, sem absolutamente nenhuma pretensão com isso. E cá estamos.

5 - Sou caiçara, nascido e criado entre o mar e o mangue. Enquanto estudava, morei por quase uma década na Serra da Mantiqueira, e voltei recentemente pra Baixada Santista. Que saudade do frio.

Mais que isso, só me conhecendo. Espero que meus textos sejam capazes de transmitir, cada um da sua maneira, um pouco de quem eu sou. Enfim, em um primeiro momento, esse espaço vai ser destinado para a postagem de contos e crônicas mais antigos, todos eles revisados e corrigidos (na medida do possível, claro). Quando esses estiverem todos devidamente apresentados, já tenho algum material inédito pronto, e vou semanalmente alimentando essa criança.

Espero que gostem das Notas da Beira-Mar. E se não gostarem, bom, paciência.

 

André Rodrigues Soares