Começo essa crônica
com um anúncio que nunca imaginei fazer: estou na academia. Proferir essas
palavras me causa até um arrepio na coluna, um calafrio daqueles que dizem que
rola quando um espírito atravessa seu corpo pelas costas, o que nesse caso pode
ser verdade, já que os fantasmas da diversão e da felicidade habitam aquele
lugar. Meu Deus, que situação insalubre.
Sentimentos à parte,
beirando os 31 anos a consciência de que preciso manter um certo grau de
sanidade física em prol de sustentar por muito mais décadas minha sanidade
mental finalmente se instalou. O empecilho pra manter o foco fica em um
questionamento: por que todos os exercícios parecem meio imbecis? Mais que
isso, por que tudo te faz se sentir tão ridículo?
Utilizando a infame
cadeira adutora, por exemplo, fiquei toda a primeira série de repetições que
fiz pensando “o que diabos eu fiz pra ser vilipendiado por esse aparelho”?
Absolutamente nada. Era apenas um transeunte incauto pego de surpresa pelos
horríveis desígnios de mim mesmo buscando dias mais saudáveis. O que falar
então dos terríveis leg press, aquelas coisas pra treinar bíceps e
tríceps e todos os outros odiosos aparelhinhos feitos pra fortalecer sua
musculatura e enfraquecer seu espírito?
Vou me valer do
conceito de Immanuel Kant sobre liberdade, que é a de que ser livre é fazer o
que não se quer. Assim como o professor Mário Sérgio Cortella, que me lembrou
dessa frase na sua participação em uma das últimas edições do programa Altas
Horas, também exerço minha liberdade submetendo meu corpo a esses pequenos
desprazeres físicos e minha mente aos ainda piores desprazeres ambientais que a
academia gera.
Agora, respondendo
as questões do início, estar na academia - ao menos pra mim - soa e me faz
sentir meio imbecil porque sua existência é um totem da lembrança de que houve
um tempo em que simplesmente viver era o bastante pra manter a saúde física em
dia. Não que se vivesse muito - e afinal, pra quê diabos queremos viver tanto?
- mas séculos de evolução pra nos tornarmos caçadores que unissem força física
e cérebros altamente desenvolvidos entram diariamente em colapso quando os
séculos seguintes transcorrem engenhosamente pra desfazer isso. Cá estamos,
então, essas ridículas massas ambulantes capazes de alterar os rumos da
existência e do espaço que habitam, mas presos à tosca necessidade de balançar
barrinhas de metal e plástico e andar sem sair do lugar só pra conseguirmos
andar até os 90 anos. Patético. Nós somos patéticos.
Fui alguma vezes
numa balada mequetrefe em Campos do Jordão, em tempos menos católicos, como
dizem os jovens. Qual a relevância dessa informação? Ambos os ambientes sofrem
das mesmas características: entre meia-luz e escuro, música eletrônica que
poderia ter sido a gravação do colapso de uma estrutura predial e gente em
busca de algum tipo de salvação. Em ambas, infelizmente, a conclusão é a mesma,
nenhuma salvação é possível, independente de quanto álcool você ingira ou
quantas séries do maldito supino reto você faça. Estamos todos condenados.
Achou que esse texto
ia ter alguma lição ou que de repente eu resolvesse falar alguma coisa positiva
sobre os impactos da academia na vida? Você nunca se enganou tanto, esse aqui
sou eu voltando a deliberadamente reclamar de alguma coisa, como há um bom tempo
eu não fazia. Se você gosta da academia, me poupe dessa informação. Enquanto
isso prossigo exercendo minha liberdade e resmungando em cada intervalo das
séries de exercício.
Até a próxima.
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