quinta-feira, 22 de maio de 2025

Por Favor, Me Poupe do Supino

 


Começo essa crônica com um anúncio que nunca imaginei fazer: estou na academia. Proferir essas palavras me causa até um arrepio na coluna, um calafrio daqueles que dizem que rola quando um espírito atravessa seu corpo pelas costas, o que nesse caso pode ser verdade, já que os fantasmas da diversão e da felicidade habitam aquele lugar. Meu Deus, que situação insalubre.

Sentimentos à parte, beirando os 31 anos a consciência de que preciso manter um certo grau de sanidade física em prol de sustentar por muito mais décadas minha sanidade mental finalmente se instalou. O empecilho pra manter o foco fica em um questionamento: por que todos os exercícios parecem meio imbecis? Mais que isso, por que tudo te faz se sentir tão ridículo?

Utilizando a infame cadeira adutora, por exemplo, fiquei toda a primeira série de repetições que fiz pensando “o que diabos eu fiz pra ser vilipendiado por esse aparelho”? Absolutamente nada. Era apenas um transeunte incauto pego de surpresa pelos horríveis desígnios de mim mesmo buscando dias mais saudáveis. O que falar então dos terríveis leg press, aquelas coisas pra treinar bíceps e tríceps e todos os outros odiosos aparelhinhos feitos pra fortalecer sua musculatura e enfraquecer seu espírito?

Vou me valer do conceito de Immanuel Kant sobre liberdade, que é a de que ser livre é fazer o que não se quer. Assim como o professor Mário Sérgio Cortella, que me lembrou dessa frase na sua participação em uma das últimas edições do programa Altas Horas, também exerço minha liberdade submetendo meu corpo a esses pequenos desprazeres físicos e minha mente aos ainda piores desprazeres ambientais que a academia gera.

Agora, respondendo as questões do início, estar na academia - ao menos pra mim - soa e me faz sentir meio imbecil porque sua existência é um totem da lembrança de que houve um tempo em que simplesmente viver era o bastante pra manter a saúde física em dia. Não que se vivesse muito - e afinal, pra quê diabos queremos viver tanto? - mas séculos de evolução pra nos tornarmos caçadores que unissem força física e cérebros altamente desenvolvidos entram diariamente em colapso quando os séculos seguintes transcorrem engenhosamente pra desfazer isso. Cá estamos, então, essas ridículas massas ambulantes capazes de alterar os rumos da existência e do espaço que habitam, mas presos à tosca necessidade de balançar barrinhas de metal e plástico e andar sem sair do lugar só pra conseguirmos andar até os 90 anos. Patético. Nós somos patéticos.

Fui alguma vezes numa balada mequetrefe em Campos do Jordão, em tempos menos católicos, como dizem os jovens. Qual a relevância dessa informação? Ambos os ambientes sofrem das mesmas características: entre meia-luz e escuro, música eletrônica que poderia ter sido a gravação do colapso de uma estrutura predial e gente em busca de algum tipo de salvação. Em ambas, infelizmente, a conclusão é a mesma, nenhuma salvação é possível, independente de quanto álcool você ingira ou quantas séries do maldito supino reto você faça. Estamos todos condenados.

Achou que esse texto ia ter alguma lição ou que de repente eu resolvesse falar alguma coisa positiva sobre os impactos da academia na vida? Você nunca se enganou tanto, esse aqui sou eu voltando a deliberadamente reclamar de alguma coisa, como há um bom tempo eu não fazia. Se você gosta da academia, me poupe dessa informação. Enquanto isso prossigo exercendo minha liberdade e resmungando em cada intervalo das séries de exercício.

Até a próxima.

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