Sabe aquele papo de
que “você sai de ‘x’, mas ‘x’ não sai de você”? São coisas que ficam evidentes
através do sotaque ou de um costume, e você com certeza carrega alguma coisa
assim pra onde quer que você vá. Comigo não é diferente. É curioso que, mesmo depois
de tanto tempo, a cozinha ainda ocupe um espaço tão grande na minha vida.
Tô sempre pensando
em comida, assistindo um programa documental sobre alimentação, ficando
irritado com alguma rasgueira tosca que alguém faz num reality culinário, lendo
livros sobre como a alimentação serviu de motor pra um número absurdo de
descobertas e eventos históricos.
Enfim, acho que me
fiz entender: comida me move em diversos sentidos, e faz parte até de momentos
em que preciso organizar a cabeça, botar as ideias no lugar ou só controlar a
ansiedade. Demorei um pouco pra entender que, pra além de desviar minha atenção
do que quer que estivesse ou esteja me incomodando, cozinhar ajuda porque é um
processo que se estabelece sob uma certa rigidez e ordenação na cabeça de quem
já pisou numa cozinha profissional.
Como nem tudo são
flores, recordo a vocês que abandonei o ofício e pendurei as panelas porque, na
mesma medida que faz bem, alimentava processos negativos que me adoeceram o
suficiente pra mudar vertiginosamente essa relação durante alguns anos - como
acredito que já mencionei anteriormente - mas que agora voltou ao que era. Tudo
isso pra falar que, pela primeira vez, venho compartilhar receitas com vocês.
Duas, pra ser exato.
Assim como as choux
creams em 2022, os cookies em 2023 e as dezenas de risottos que
fiz nas madrugadas do biênio 2012/2013 pros amigos da faculdade, duas semanas
atrás me bateu uma vontade repentina de fazer molho de pimenta e picles de
cebola roxa. No dia seguinte fui no mercado depois do expediente, comprei tudo
e fiquei até 1h30 da manhã na cozinha.
Já aviso de antemão,
nada de receita bonitinha com medidas exatas. O molho, especificamente, depende
muito do sabor que você quer, seja um toque mais adocicado ou um pouco mais
apimentado, a acidez mais presente, enfim, vou te dar os ingredientes e você que
bote o quanto achar melhor, afinal quem sou eu pra dizer o que é mais saboroso
pra você. O picles, por sua vez, tem uma quantidade exata, mas mais nas
proporções do que na quantidade. Agora chega de papo e vamos ao que interessa,
começando pelo último.
Picles de cebola
roxa
Os ingredientes são
vinagre de vinho tinto, água, pimenta-do-reino em grão, louro e - ora quem
diria - cebola roxa. “Ai, André, posso usar outro vinagre no lugar do vinho
tinto? E se a cebola for da branca, tem problema”? Olha, ninguém vai na sua
casa fiscalizar o que você tá fazendo, então fique à vontade pra substituir o
que quiser, sabendo que o resultado vai ser completamente diferente pra cada
coisa alterada, então esteja por sua conta e risco. Prossigamos para o modo de
preparo.
Misture PARTES
IGUAIS - detalhe importante - de água e vinagre numa panela, em quantidade que
seja suficiente pra cobrir a quantidade de cebola que você quer piclezar.
Adiciona um tanto de grão de pimenta e folhas de louro junto, de novo
recorrendo ao bom senso pra deixar os sabores equilibrados, e bota pra
esquentar.
Enquanto a mistura
esquenta, corte as cebolas radialmente (como no desenho tosco abaixo, que você
vai fingir que tá certinho porque eu já tô te fazendo a boa de passar uma
receita show), ponha num escorredor de massa e enxágue bem, depois encha uma
tigela com água e gelo e jogue a cebola dentro.
Assim que a mistura
de água e vinagre levantar fervura, escorra a cebola e a ponha em um recipiente
- preferencialmente de vidro - que tenha tampa, tire o líquido do fogo e bote
diretamente sobre ela, coando com uma peneira pra não ter que ficar catando folha
e grão de pimenta do meio, depois. Tampa o recipiente e bota direto na
geladeira - sim, ainda quente. Espera de um dia pro outro e pronto, agora você
tem quanto picles quiser.
Molho de pimenta
Aqui dei uma roubada
no nome porque a parada ficou mais pra pasta do que pra molho. Quanto menos
água no resultado final melhor, porque aumenta a durabilidade, então usei como
líquido um pouco de vinagre de vinho tinto, o que também influencia no sabor. Os
ingredientes que eu usei foram pimenta dedo-de-moça, pimenta cambuci, pimentão
amarelo, tomate, cebola, alho, alecrim, manjerona, azeite, sal e vinagre de
vinho tinto. De novo, muda o que você quiser, só não desapegue do bom senso.
Pré-aquece o forno a
uns 220ºC e espalha em uma assadeira todos os legumes, cortados do tamanho que
você achar melhor e que se encaixem na forma como você vai bater o molho
depois. Eu usei um mixer, então cortei tudo em pedaços pequenos. Espalhe
uns galhos das ervas aromáticas por cima deles e besunte tudo com azeite. Sei
que tá caro, então se quiser misturar com um tico de óleo pra render, pode. O
mais importante é que seja quantidade suficiente pra untar o fundo da forma, já
que não é pra vedar a assadeira, e que o sabor do azeite não seja sobreposto ou
suavizado demais. AINDA NÃO PONHA SAL, pra evitar formar água no fundo, já que
a ideia é assar e não vaporizar os ingredientes.
Bota pra dentro do
forno e deixa assar até que tudo esteja com aquele aspecto dourado começando a
tostar, como se fosse um gratinado que passou um pouco do ponto. O ideal é que
a assadeira fique o mais distante possível do fogo, no forno, então se o seu só
tiver uma grade, abaixa a temperatura pra 200ºC quando colocar os legumes lá
dentro. Depois de assados, só bater/processar tudo junto e temperar com sal,
mais um pouco de azeite e vinagre (que você pode usar pra ajustar a textura,
lembrando que, obviamente, quanto mais vinagre, mais ácido).
Agora uma dica. Como
eu gosto de coisas com quantidades inumanas de pimenta, ainda peguei mais um
tanto delas, espetei num garfo trinchante e tostei direto na boca do fogão,
depois misturei na pasta só cortado na faca, mesmo. Lembre-se que o limite é o
bom senso, e como essa fronteira é muito pessoal, cruze por sua própria conta e
risco.
Se fizer alguma das
receitas e dúvidas surgirem, pode dar um alô, ainda que eu ache que, apesar de
zero técnicas, as descrições ficaram razoavelmente didáticas. Ou se não fizer
nenhuma e só quiser bater papo sobre comida, também pode dar um alô. Caso esteja
esperando outras receitas, quem sabe alguma hora elas aparecem por aqui,
também. Agora, sendo sincero, abaixe essas expectativas, porque não faço ideia
de quando isso vai acontecer de novo.
Até a próxima.