quarta-feira, 1 de maio de 2024

A Guerra Somos Nós - Comentários sobre “Guerra Civil”



Esse vai ser um texto um pouco mais curto que o comum, já que, apesar de algumas rápidas reflexões, o foco vai ser indicar uma coisa. Nesse caso, um filme: Guerra Civil. Pra quem ainda não viu nada sobre ele, uma sinopse rápida. Em um futuro não muito distante uma guerra civil (ora, ora) tomou conta dos Estados Unidos, e o enredo acompanha três fotojornalistas de zonas de conflito viajando de Nova York até a capital estadunidense, Washington, acompanhados ainda de uma jovem fotógrafa que almeja seguir seus passos na cobertura de guerras.

O filme, porém, não é sobre a guerra em si, mas sobre os “microimpactos” de seus diversos aspectos, além de, ainda que de forma menos direta, sobre fotografia. Não vou ficar destrinchando demais, falando sobre atuações, montagem e outros aspectos técnicos. Como mencionado anteriormente, não entendo quase nada de teoria do cinema, logo não vou ficar inventando moda. O foco é no que senti e minhas percepções sobre algumas questões que me saltaram mais aos olhos. Vamos então ao que interessa.

Pra falar sobre os diferentes impactos que o conflito tem em uma sociedade, começo falando sobre os dois personagens principais, interpretados por Kirsten Dunst e Wagner Moura. Em Guerra Civil, Lee, personagem de Kirsten, funciona como um retrato da própria narrativa, relativamente apática e distante mesmo nos momentos mais tensos. A quebra desse comportamento, no entanto, ocorre quase como um prenúncio do fim, tanto seu quanto da própria narrativa, quando toda a tristeza que só a guerra é capaz de gerar em alguém se abate sobre ela.

A morte de Sammy, personagem vivido pelo Stephen McKinley Henderson, jornalista veterano e mentor de ambos, causa uma ruptura da barreira que ela construiu em volta de si pra não ter que lidar com toda o peso das coisas que ela viu ao longo dos anos que cobriu zonas de conflito. A partir desse ponto, enquanto registram a ofensiva final contra a Casa Branca, todo o medo e tristeza a soterram, ficando quase imóvel diante da ação.

É só nos momentos finais, com o ataque praticamente concluído, que ela se recompõe, num ato que serve como um momento simbólico pra ela, que já tendo realizado quase tudo que poderia querer, profissionalmente, morre ao salvar a vida da personagem de Cailee Spaeny, Jessie, a aspirante, entregando a ela o “fardo” que viveu ao longo de seu trabalho na forma de uma foto incrível e uma “micro revolução” paradigmática para a jovem.

O personagem do Wagner Moura, Joel, representa uma outra face do lidar com todo esse contexto. Enquanto Lee é tomada pela apatia, ele age quase com euforia ao vivenciar momentos de ação, enquanto estava “distante” dos impactos da guerra. Em diversos momentos se comporta como se aquilo impulsionasse sua existência, vivendo por mais uma dose da adrenalina. Sua conduta, como a de Lee, só se altera frente à violência quando vê seus amigos próximos, dois jornalistas chineses, serem executados por um grupo de civis armados que, se aproveitando do caos gerado pela guerra em andamento, passam seus dias executando pessoas que não consideram “verdadeiros americanos”.

Essa cena, inclusive - com destaque pra atuação insana do Jesse Plemons - poderia facilmente ser recortada e vendida como um curta, e convenceria qualquer um que a assistisse de que foi pensada com esse objetivo, sem, em nenhum momento, parecer deslocada do resto da história ou da ambientação. As ações do grupo racista são de uma crueza quase corriqueira, como se não estivessem fazendo nada diferente de lavar uma louça ou calçar um tênis, e isso é o bastante pra gerar um nível de tensão tão denso que dá quase pra pegar com a mão.

Outros dois momentos marcantes, que também servem como reflexões distorcidas um do outro, são as paradas que o grupo faz. A primeira se passa no posto de gasolina que encontram pouco depois de saírem de Nova York, em que habitantes da cidade amarraram pelos pulsos e torturam dois homens que tentaram saquear o lugar, com um deles constatando, sem nenhum incomodo aparente, que havia estudado com um dos homens pendurados, posando tranquilamente pra uma foto ao lado dele. Em contraste, mais ao final da viagem, passam por uma cidade em que as pessoas continuam vivendo como se nada estivesse acontecendo no resto do país, num único lapso do que poderia restar de normalidade naquele cenário.

Um último aspecto notável, que se faz presente ao longo de toda narrativa, é que a todo momento as cenas são filmadas propositadamente de perspectivas pensadas para compor fotografias, servindo como uma metanarrativa, um filme de si mesmo, como um documentário sobre a obra que está inserido na própria narrativa. Aos amantes da fotografia, especialmente da analógica, como este que lhes fala, é um detalhe que enriquece muito a narrativa.

Enfim, acho que já falei o que tinha que falar. Guerra Civil está longe de ser um dos meus filmes preferidos, mas sem dúvida é um filme que vale a pena ser assistido, especialmente no cinema. Se puderem, vejam.

Ah, esqueci de avisar, têm spoilers no texto.

Até a próxima.