sexta-feira, 12 de janeiro de 2024

A Música do Obsoleto



 

Tentando dar início à pequenas mudanças, aderindo ainda que um pouco contrariado ao ditado “ano novo, vida nova”, a primeira semana de 2024 marcou uma “revolução” tecnológica na minha vida: aderi ao streaming musical.

Não posso negar que, mesmo gostando da experiência, tenho receio de esquecer da conexão com a música que o hábito de pesquisar, garimpar e baixar uma a uma as faixas e álbuns que habitavam meu telefone proporcionava. Óbvio que utilizar os meios digitais não impede que ela permaneça, mas sendo uma pessoa de hábitos, estaria mentindo se dissesse que não vou pensar nisso.

Como boa parte dos jovens da minha geração, fui tomado de assalto pelo lançamento dos players de mp3. No começo, as músicas baixadas - por meios TOTALMENTE NÃO ILEGAIS, Abin, não se preocupe - eram quase sempre só aquelas que não estavam em nenhum CD ou LP que a gente tinha em casa, e como meus pais amam música tanto quanto eu, essas opções se restringiam aos gêneros que eles não tinham hábito de ouvir, o que fazia meu aparelhinho da extinta Creative - com seus insanos 1GB de armazenamento - o mais próximo que um adolescente de 13 anos poderia chegar de hard rock, metal e rebeldia.

Os anos passaram, as condições melhoraram e fui agraciado com o ápice da tecnologia de áudio portátil: iPods, esses sim os verdadeiros responsáveis pelo hobby de garimpo musical. iPods não só exigem um programa específico pra receberem arquivos como também permitiam um nível nunca antes visto de organização deles. Além dos óbvios nomes de faixa, álbum e artista, era possível inserir letras das músicas, que passavam progressivamente na tela à medida que a música corria, capas, gênero e mais uma série se informações que raramente interessam a alguém num arquivo digital.

Não raramente passava 4 ou 5 horas pulando entre páginas do YouTube, sites de compartilhamento de arquivos e versões pré-históricas de streamings - pesquise sobre o GrooveShark - pra encontrar músicas em boa qualidade ou tentando achar mais informações sobre alguma banda obscura numa internet que ainda, caso não recordem, engatinhava. Isso, inclusive, é tema pra texto num próximo momento, o quanto a internet se transformou nos últimos 10 anos. Não parece tanto, mas com certeza é bastante pra que ela tenha praticamente se tornado outra coisa. Enfim, voltemos pro tópico.

A rusticidade e dificuldade do processo eram tão grandes que ele nem sequer poderia chegar perto de substituir a mídia física, e não à toa o garimpo digital andou por anos junto com o de CDs, quando o dinheiro permitia. A extinta loja Ferrs - junto com as livrarias do Gonzaga - era uma das poucas coisas que realmente me interessavam quando vinha passear em Santos, já que a praia nem de perto me é atrativa. Passava nela quanto tempo fosse possível, e ainda hoje guardo grandes álbuns que só lá eram possíveis de serem encontrados nessa província litorânea.

Todos esses processos estabeleciam uma proximidade com a música que provavelmente o streaming nunca seja capaz de reproduzir. As horas buscando músicas específicas e álbuns que não chegavam por preços razoáveis através das importadoras e as conversas com vendedores em lojas de música quase que nos forçavam a ir de encontro também com as histórias e minúcias do que estávamos consumindo, estabelecendo um elo profundo entre consumidor, criador e criatura.

Como eu disse antes, não acredito que os serviços de distribuição digital vão acabar em definitivo com esse vínculo, até porque a música - não só ela, mas a arte de forma geral - se ocupa desde sempre de preencher as rachaduras que a solidão e outras tristezas cavucam no coração, mas também acolhe sem questionamentos os momentos felizes, e essa capacidade não é o meio que é capaz de tirar dela.

O que me deixa intrigado, muito mais do que receoso, é a possibilidade de escapar de nós toda essa cadeia de pequenos momentos e prazeres que tornavam cada descoberta única e especial, nos permitiam estabelecer vínculos tangíveis com as pessoas que orbitavam esse processo e intangíveis com cada indivíduo envolvido na criação do que quer que você estivesse conhecendo. Os algoritmos de recomendação e curadorias de sabe-se lá quem dentro dos streamings tem seu papel e lugar na prateleira de possibilidades, claro, mas sinceramente nenhum gera essa sensação fascinante de descoberta.

É certo que eles permitem a massificação do acesso à música, coisa que até não muito tempo atrás só era possível, pra um volume considerável de pessoas, através do rádio, selecionado e filtrado por quem estivesse decidindo o que seria tocado. No final das contas, então, a cobra não estaria mordendo o próprio rabo? Enfim, outro assunto pra outra hora. Acho que estou começando a dever textos demais. Pelo menos agora posso compartilhar belíssimos cards e retrospectivas de final de ano nos stories do Instagram.

Até a próxima.

2 comentários:

  1. Muitos detalhes a considerar nessa mudança, mas se o gosto pela música prevalece, ainda saímos ganhando🤗🎶

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  2. Acredito que a mudança é inevitável...porém os meus hábitos musicais particulares não irão perecer

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