Se bem me recordo, no texto “Será Se a Internet Foi Longe Demais?” falei
brevemente sobre a incapacidade que se instala nas pessoas de refletir por um
segundinho se o que elas vão falar em algum lugar é realmente necessário ser
falado, ou se alguém tem qualquer interesse naquilo, e sequer se ela conhece o
suficiente pra sair por aí falando sobre. Não raramente a resposta é não, e
sendo bem sincero nem quem fala e nem quem dá ouvidos - ou vistas - tem muita
culpa no cartório.
Isso porque a forma como a evolução da comunicação ocorreu deu a
entender que todo mundo devia dar seu pitaco sobre as coisas, e isso não
poderia ter sido um equívoco maior de interpretação. Você nesse momento pode
estar pensando “ué, meu parceiro, mas não é exatamente isso que você está
fazendo”? Possivelmente a resposta é sim, o que faz de mim um grandessíssimo
hipócrita, sob um certo ponto de vista, mas acredito que exista uma diferença
crucial.
Um fenômeno surgido de forma quase paralela - talvez até anterior - à
internet foi a concepção de que essa querida seria a maior de todas as
enciclopédias, com o conhecimento disponível incessantemente pra quem quisesse
acessá-lo. Isso não deixa de ser verdade, afinal, quase qualquer coisa que você
queira pesquisar pode ser encontrada. O que convenientemente não se discutiu, e
talvez sequer tenha sido mencionado pelas pessoas que deveriam mencionar esse
tipo de coisa, é que informação não é conhecimento.
Imagine o seguinte, você entra na dita-cuja e digita “caipirinha”,
pretendendo descobrir como fazer uma, seco pra se acabar na birita num sábado
irritantemente quente no final de janeiro. O que você encontra rapidamente é
uma receita simples, objetiva, que indica os ingredientes e o passo-a-passo sem
palestra. Perfeito, agora você pode encher a lata e capotar no sofá enquanto
algum programa sabadesco rola indiferente na TV.
O que essa receita nunca te mostrou, no entanto, é que existe uma
infinidade de minúcias que você poderia - e talvez até devesse - levar em
consideração para, ao invés de tomar um troço que você presumiu ser uma
caipirinha, de fato tomar uma. Eis aqui a grande questão dessa analogia
imbecil. Você pode pensar “bom, André, a maioria das pessoas não dá a mínima
pra essa baboseira toda, então por que você não vai se ocupar de escrever sobre
algo relevante”?
A relevância aqui está exatamente na ideia de que a receita, pura e
simples, é informação, sem filtro e sem parâmetros. Conhecimento aqui seria
saber qual cachaça seria uma boa opção, e que existem boas cachaças com preços
não tão distantes daquele acendedor de churrasqueira que você anda bebendo - e
não se preocupe, sem julgamentos, eu também já cometi essas atrocidades -, que
pressão demais no limão amarga a caipirinha e que não adianta botar mais açúcar
do que o recomendado porque ele não tira acidez (essa também serve pra você que
faz isso no molho de tomate achando que a nonna tá certa. Aqui eu julgo sim).
Dentre as diversas definições de conhecimento que é possível encontrar
em dicionários, a que mais me chamou a atenção foi “ato de perceber ou
compreender por meio da razão e/ou da experiência”. Tinha uma outra sobre
recibos de bagagens aéreas e navais, mas isso é completamente irrelevante pra
essa reflexão. Minha definição pessoal do termo se daria mais ou menos por
“desenvolver senso crítico sobre o que se consome e correlacionar diversas informações,
a fim de dar sentido às mesmas, respaldadas em algum nível de observância
prática”. Acho que dá pro gasto e representa de forma convincente meu ponto.
Volto, por fim, à colocação inicial de que acredito haver uma diferença
crucial entre o exercício da articulação de ideias variadas sobre temas
diversos à que eu me proponho, vez ou outra com um nível questionável de
qualidade - só talvez eu me cobre demais - com o que se faz por aí, gerando
não-debates, não-dilemas e questionamentos que não possuem qualquer relevância.
Existe uma série de condições práticas e objetivas que me propiciaram
contato com um sem-número de ideias, conteúdos, pessoas e pontos de vista, e a
própria possibilidade de levantar essas questões. Essas condições nem sempre
são replicáveis, por uma série de motivos que eu estaria alegremente aberto a
falar sobre em outro espaço, caso interesse a alguém, mas existe uma condição
que, ainda que um pouco complexa, é replicável: antes de aprender sobre algo,
devemos estar abertos à possibilidade de aprender a aprender, afinal de contas
somos seres dialéticos, precisamos da contradição pra dar sentido pras coisas.
Nossas formas de ensino são, de forma geral, ultrapassadas, e o tão
necessário estímulo ao questionamento - e especialmente ao autoquestionamento -
é deixado de lado há décadas, num processo que nos empurrou goela abaixo uma
ode ao orgulho em que, caso não se saiba de algo, tente pelo menos fingir que sabe, como se o desconhecimento fosse um vacilo irremediável. O
problema resultante é um tsunami de gente cheia de confiança se valendo disso
pra falar o que quiser por aí, e bom, não preciso dar exemplos, você com
certeza conhece, pessoalmente ou não, uma meia dúzia delas.
Meu apelo com toda essa divagação é que tentemos, de alguma forma, ser
agentes de transformação desse processo. Não é uma tarefa simples, e com
certeza é MUITO irritante, mas é como dizem por aí, não existe espaço vazio,
então sejamos fortes pra preencher esse buraco com qualquer baldinho de
sensatez que a gente tiver pra compartilhar, sem nos esquecermos, claro, que
também estamos sujeitos ao mesmo processo. Se dê ao luxo de ouvir o que os
outros têm a dizer.
Fiquei tentando elaborar algum pensamento final, uma forma de passar a
régua nesse assunto, mas acho que seria muita presunção da minha parte achar
que posso encerrar qualquer coisa, então me resigno em não fazer ideia do que
mais dizer.
Até a próxima.