quinta-feira, 12 de junho de 2025

Sobre a morte, o luto e, obviamente, a vida

 


Escrevo esse texto para falar sobre um tema muito difícil, não porque tenho um problema em tratar dele, mas por tudo que uma sociedade fundada em preceitos cristãos e que tem parte majoritária das pessoas professando algum tipo de fé e exercendo sua espiritualidade acredita sobre isso. Em nível pessoal, é difícil por um motivo relativamente simples, mas exatamente por todas essas crenças serem fundantes do pensamento “ocidental”, camadas de complexidade se sobrepõem ao tema.

Você já deve imaginar, mas me refiro à morte. Qual é essa dificuldade, afinal? Bom, sendo ateu, acho que não há dúvida sobre eu não acreditar que exista algo depois da morte. Se não me falha a memória já tratei da questão em alguma crônica no passado, possivelmente para falar que acredito que é exatamente aí que se encontra a preciosidade da vida, na sua singularidade. O que sempre me deixa reticente diante da questão é que, apesar de ser, no meu entendimento, uma visão positiva, ela raramente condiz com o que pessoas pensam sobre isso, e na busca de tentar ser sensível ao lidar com momentos de perda e luto, uma pergunta me acompanha desde a minha primeira recordação sobre vivenciar a morte de alguém: como ser de fato acolhedor quando sua percepção sobre o fim pode não soar reconfortante?

Ao longo dos meus 30 anos vivenciei um número considerável de lutos. O mais recente deles é pelo meu avô, que nos deixou no dia 31 de março desse estranho ano de 2025, coincidentemente o dia que nomeia um dos bairros dessa Cubatão que ele tanto amou.

Tenho, desde então, tentado elaborar os sentimentos e o tema em si, o luto. Há uma frase no livro mais recente do Jefferson Tenório, “De Onde Eles Vêm”, que diz que o luto é como uma amputação: um pedaço de você é arrancado e não tem essa de substituir. Pode até ser que uma prótese seja posta no lugar e cumpra, de alguma forma, a mesma função, mas o vazio daquela ausência é eterno. A questão é que a gente se adapta. Vai ser difícil, a princípio, e vai doer por muito tempo, mas cada dia um pouco menos.

Somos levados a acreditar que só o que conta são grandes feitos, a vida majestosa, e passamos nossa existência aflitos por não sermos os protagonistas de um épico. Mas a vida não é isso. Nunca foi, nem daqueles que, entre muitas aspas, nos olham de um suposto topo. Acho que talvez venha daí uma das grandes aflições sobre pensar e lidar com a morte: confrontar a ideia de que sua vida ou a de quem você ama não tenha o significado ou impacto que acreditamos que deveria ter. Mas será mesmo?

Para falar sobre isso, penso na vida do meu avô. Cresci ouvindo dezenas de histórias sobre ele. A mais emblemática talvez tenha sido sua recusa ao convite de jogar no Santos, já que sempre foi corinthiano, o que abriu espaço pra que o time convidasse um dos maiores jogadores de sua história, o Pepe, pra ocupar a posição que seria dele.

Seu Nico não se tornou um jogador mundialmente renomado, mas viveu e vive como um dos maiores na memória daqueles que o viram jogar, assim como na de dezenas de pessoas que aprenderam com ele o ofício da marcenaria durante o período que ensinou na extinta Fábrica da Comunidade e na de tantas outras que cruzaram seus caminhos com os dele. Pra mim bastaria dizer que foi um avô gentil e afetuoso. Isso já não é grandeza?

Fiquei - e continuo - triste por sua morte, bem como pela de todos os familiares e pessoas amadas das quais tive que me despedir irrevogavelmente ao longo da vida, mas a felicidade de tê-los conhecido e a singularidade de suas existências é tão maior que não consigo me apegar à dor. Retornando à questão do início, sobre como ser acolhedor, acredito não ter uma resposta muito concreta.

Tentar sempre que possível estar presente é um ótimo começo. Subestimamos - e muito - a importância da presença. Quanto ao que dizer, bom, eis uma resposta muito mais difícil. Essas são palavras que provavelmente vou continuar perseguindo pelo resto da vida. Se algum dia as encontrar ficarei feliz em compartilhar. No meio tempo sigo me fazendo presente.

Nesse malfadado dia 31, durante o velório, vendo a serra e a cidade encobertas do prenúncio de temporal, só conseguia pensar que chorava a Rainha das Serras por um de seus filhos ilustres. Entre o choro e o riso das pessoas, todos os afetos ali presentes celebravam a vida de Seu Nico. Torço pra que todos os lutos encontrem esse afago.