Inauguro - depois de
“Receitas Que Você Não Pediu, Mas Vai Ganhar Mesmo Assim” - uma nova coluna no
Notas, a “Recomendamentos”, como você obviamente já notou pelo título. Tal qual
as receitas que você não pediu, esse espaço vai servir pra compartilhar
absolutamente qualquer coisa que eu ache que faz sentido compartilhar, e se
você vai ou não atrás já não é comigo.
Partindo de tal
pressuposto, não que alguém tenha perguntado, mas Stephen Chow é provavelmente
meu ator preferido. Assim como Jackie Chan, Michelle Yeoh, Jet Li, Chow Yun-Fat
e tantos outros astros chineses do cinema, Stephen - que na real se chama Chow Sing-Chi,
mas meteu esse Stephen no meio da história pra ter mais aceitação no mercado
“ocidental”, como todos os outros citados - é cria real das artes marciais,
110% habilitado para chutação de bundas e pancadaria generalizada.
Ainda que, assim
como pros outros, o kung-fu seja um elemento fundamental nos universos de seus
filmes, eles raramente giram diretamente em torno das artes marciais. A pegada
aqui é outra: o foco é na comédia. As tramas costumam ser desnecessariamente complexas
e desconexas, e é exatamente isso que te prende nas narrativas, te deixar muito
confuso com situações surreais que vão te carregando através de detalhes que, a
princípio, parecem soltos e sem sentido, mas que se costuram aos poucos pra te
cobrir com uma aconchegante colcha de retalhos absurdos.
Não gosto de dizer
isso porque acho que deveríamos assistir todo tipo de filme, então afirmo com
dor no coração: não é humor pra todo mundo. Seus filmes, tanto os só dirigidos
quanto os dirigidos e atuados por ele, usam elementos humorísticos e formas de
atuação muito característicos do cinema chinês. Se não é sua praia, não vão te
pegar, especialmente porque outro elemento recorrente neles é o exagero, seja
de expressões, do uso do humor de repetição, do humor físico palhacesco, tudo
opera em outro nível. Imagine “A Hora do Rush” ainda mais maluco e caricato.
Isso é cinema com e por Stephen Chow.
Caso ache que pode
funcionar pra você, começo as recomendações com o que talvez seja mais
palatável para o público “ocidental”: “Kung-Fusão”. Foi o segundo dele que
assisti, mas tão impactante quanto o primeiro (o próximo da lista). A história
gira em torno de dois ferrados - um deles o próprio Chow - que sobrevivem
tentando cometer pequenos delitos, sonhando em entrar pra famigerada Gangue do
Machado, que está em conflito com os moradores de um cortiço, por sua vez
protegido por três ex-mestres de estilos lendários de kung-fu. Eu falei que as
tramas eram complexas. Acompanham a doidera reviravoltas bem posicionadas ao
longo do filme, que ajudam a manter a dinâmica sem parecerem só artifícios
narrativos, e a estranha facilidade de se relacionar com os personagens, cheios
de contradições que você facilmente encontraria em um vizinho ou parente.
Quanto ao meu
primeiro contato com seus filmes, nos arredores do já distante ano de 2006,
apresento rapidamente, e já explico o porquê. O nome do filme é “Kung-Fu
Futebol Clube”, um suplex de insanidade que conta a história de um monge shaolin
que foi embora do monastério onde vivia após a morte de seu mestre, e acaba por
acaso conhecendo em Hong Kong um ex-jogador de futebol em busca de redenção
após ter entregue uma final de campeonato muitos anos antes. O motivo de não me
estender é porque existe um maravilhoso episódio do meu amado - e por hora
ainda inativo - podcast Cinemasso sobre o filme (que você pode ouvir aqui: https://open.spotify.com/episode/43rPhnGiybfXkQMGDOrQlL?si=ZnFk0nPTRlmA316_dNha-A). Sigamos.
A terceira
recomendação é, coincidentemente, uma trilogia: “Fight Back to School”. A trama
do primeiro filme é um pouco mais direta, acompanhando um policial de elite
altamente eficiente, porém indisciplinado na mesma medida, que é obrigado a
trabalhar como agente infiltrado pra recuperar a liderança de seu esquadrão
depois de fazer cagada em uma operação. O inusitado fica por conta do fato de
que ele se infiltra como aluno em uma escola de ensino médio, monitorando as
movimentações do irmão de um estudante, provavelmente envolvido com tráfico de
drogas. Em nenhum momento ele usa maquiagem ou artifícios pra parecer mais
novo, é só um adulto comum usando uniforme escolar no meio de estudantes que
estranhamente parecem tão velhos quanto ele. As sequências também são
divertidas e têm seus méritos, mas nada igual o primeiro.
Por último lhes
entrego o penúltimo filme dirigido por ele, uma das coisas mais insanas que já
tive o prazer de assistir, “As Travessuras de Uma Sereia”, daqueles filmes que
começam, terminam e tudo que você sabe é que riu descontroladamente sem
entender direito o motivo. A história gira em torno de uma sereia - ora ora,
quem diria - enviada à superfície pra assassinar um empresário que conduz um
projeto de recuperação de um trecho costeiro, mas que ameaça o local habitado
pelas sereias. Os dois acabam se apaixonando, o cara desiste do projeto, mas o
que ninguém esperava era que uma organização secreta está caçando as sereias
(por um motivo que não recordo) e cabe ao empresário salvar sua amada marinha.
Pelas sinopses, acho
que fica claro o que disse no início, não é o tipo de filme que vai funcionar
pra todo mundo. Mas como você vai saber se não der pelo menos uma chance? Já
assisti muitos outros filmes com Stephen Chow e, entre méritos e deslizes, todos
mantém um bom nivelamento de qualidade geral. Aviso importante, alguns deles
têm elementos de humor mais datados, mas nada que você não encontraria em
qualquer filme estadunidense do mesmo intervalo de tempo, entre os anos 80 e
90, então veja os filmes também como o retrato de uma época e especialmente de
uma cultura diferente da nossa, abrace o caos e se permita entrar de cabeça
nessa piscina de bobajada.
Até a próxima.