sábado, 26 de abril de 2025

Recomendamentos: Filmes de Stephen Chow

 


Inauguro - depois de “Receitas Que Você Não Pediu, Mas Vai Ganhar Mesmo Assim” - uma nova coluna no Notas, a “Recomendamentos”, como você obviamente já notou pelo título. Tal qual as receitas que você não pediu, esse espaço vai servir pra compartilhar absolutamente qualquer coisa que eu ache que faz sentido compartilhar, e se você vai ou não atrás já não é comigo.

Partindo de tal pressuposto, não que alguém tenha perguntado, mas Stephen Chow é provavelmente meu ator preferido. Assim como Jackie Chan, Michelle Yeoh, Jet Li, Chow Yun-Fat e tantos outros astros chineses do cinema, Stephen - que na real se chama Chow Sing-Chi, mas meteu esse Stephen no meio da história pra ter mais aceitação no mercado “ocidental”, como todos os outros citados - é cria real das artes marciais, 110% habilitado para chutação de bundas e pancadaria generalizada.

Ainda que, assim como pros outros, o kung-fu seja um elemento fundamental nos universos de seus filmes, eles raramente giram diretamente em torno das artes marciais. A pegada aqui é outra: o foco é na comédia. As tramas costumam ser desnecessariamente complexas e desconexas, e é exatamente isso que te prende nas narrativas, te deixar muito confuso com situações surreais que vão te carregando através de detalhes que, a princípio, parecem soltos e sem sentido, mas que se costuram aos poucos pra te cobrir com uma aconchegante colcha de retalhos absurdos.

Não gosto de dizer isso porque acho que deveríamos assistir todo tipo de filme, então afirmo com dor no coração: não é humor pra todo mundo. Seus filmes, tanto os só dirigidos quanto os dirigidos e atuados por ele, usam elementos humorísticos e formas de atuação muito característicos do cinema chinês. Se não é sua praia, não vão te pegar, especialmente porque outro elemento recorrente neles é o exagero, seja de expressões, do uso do humor de repetição, do humor físico palhacesco, tudo opera em outro nível. Imagine “A Hora do Rush” ainda mais maluco e caricato. Isso é cinema com e por Stephen Chow.

Caso ache que pode funcionar pra você, começo as recomendações com o que talvez seja mais palatável para o público “ocidental”: “Kung-Fusão”. Foi o segundo dele que assisti, mas tão impactante quanto o primeiro (o próximo da lista). A história gira em torno de dois ferrados - um deles o próprio Chow - que sobrevivem tentando cometer pequenos delitos, sonhando em entrar pra famigerada Gangue do Machado, que está em conflito com os moradores de um cortiço, por sua vez protegido por três ex-mestres de estilos lendários de kung-fu. Eu falei que as tramas eram complexas. Acompanham a doidera reviravoltas bem posicionadas ao longo do filme, que ajudam a manter a dinâmica sem parecerem só artifícios narrativos, e a estranha facilidade de se relacionar com os personagens, cheios de contradições que você facilmente encontraria em um vizinho ou parente.

Quanto ao meu primeiro contato com seus filmes, nos arredores do já distante ano de 2006, apresento rapidamente, e já explico o porquê. O nome do filme é “Kung-Fu Futebol Clube”, um suplex de insanidade que conta a história de um monge shaolin que foi embora do monastério onde vivia após a morte de seu mestre, e acaba por acaso conhecendo em Hong Kong um ex-jogador de futebol em busca de redenção após ter entregue uma final de campeonato muitos anos antes. O motivo de não me estender é porque existe um maravilhoso episódio do meu amado - e por hora ainda inativo - podcast Cinemasso sobre o filme (que você pode ouvir aqui: https://open.spotify.com/episode/43rPhnGiybfXkQMGDOrQlL?si=ZnFk0nPTRlmA316_dNha-A). Sigamos.

A terceira recomendação é, coincidentemente, uma trilogia: “Fight Back to School”. A trama do primeiro filme é um pouco mais direta, acompanhando um policial de elite altamente eficiente, porém indisciplinado na mesma medida, que é obrigado a trabalhar como agente infiltrado pra recuperar a liderança de seu esquadrão depois de fazer cagada em uma operação. O inusitado fica por conta do fato de que ele se infiltra como aluno em uma escola de ensino médio, monitorando as movimentações do irmão de um estudante, provavelmente envolvido com tráfico de drogas. Em nenhum momento ele usa maquiagem ou artifícios pra parecer mais novo, é só um adulto comum usando uniforme escolar no meio de estudantes que estranhamente parecem tão velhos quanto ele. As sequências também são divertidas e têm seus méritos, mas nada igual o primeiro.

Por último lhes entrego o penúltimo filme dirigido por ele, uma das coisas mais insanas que já tive o prazer de assistir, “As Travessuras de Uma Sereia”, daqueles filmes que começam, terminam e tudo que você sabe é que riu descontroladamente sem entender direito o motivo. A história gira em torno de uma sereia - ora ora, quem diria - enviada à superfície pra assassinar um empresário que conduz um projeto de recuperação de um trecho costeiro, mas que ameaça o local habitado pelas sereias. Os dois acabam se apaixonando, o cara desiste do projeto, mas o que ninguém esperava era que uma organização secreta está caçando as sereias (por um motivo que não recordo) e cabe ao empresário salvar sua amada marinha.

Pelas sinopses, acho que fica claro o que disse no início, não é o tipo de filme que vai funcionar pra todo mundo. Mas como você vai saber se não der pelo menos uma chance? Já assisti muitos outros filmes com Stephen Chow e, entre méritos e deslizes, todos mantém um bom nivelamento de qualidade geral. Aviso importante, alguns deles têm elementos de humor mais datados, mas nada que você não encontraria em qualquer filme estadunidense do mesmo intervalo de tempo, entre os anos 80 e 90, então veja os filmes também como o retrato de uma época e especialmente de uma cultura diferente da nossa, abrace o caos e se permita entrar de cabeça nessa piscina de bobajada.

 

Até a próxima.