quinta-feira, 22 de fevereiro de 2024

BR-116

 


Viajar de ônibus é uma merda. Sim, depois de uma longa série de textos reflexivos e que tocam em questões mais profundas da existência, tal qual um “Jim Carrey fazendo o filme do Sonic” da literatura, estou de volta ao que realmente me deixou famoso, ser muito azedo. Se por um acaso a parte da fama lhe parece estranha, não é problema meu, já que me permito viver com certo grau de ilusão. Voltemos.

Durante os quase 10 anos habitando a saudosa Serra da Mantiqueira, fazer viagens interurbanas se tornou parte da minha vida tanto quanto dormir todos os dias de edredom. Dizem que a gente se acostuma com certas coisas, especialmente se elas são rotineiras, mas fazer o trajeto Santos-Campos - e vice-versa - certamente não foi uma dessas coisas. Eu ainda prefiro lavar louça com água semicongelada na tubulação.

Veja só, minha intenção não é soar mesquinho e reclamar do inegável privilégio e oportunidade que tive de poder vivenciar tudo que se passou, que fique claro, mas ignorar um sentimento tão bonito quanto o stress dilacerante que a viagem causava seria um erro terrível. E, claro, estaria deixando de proporcionar entretenimento de qualidade pra vocês. Sigamos.

Nos primeiros anos, o caminho que eu percorria de ônibus era o seguinte: descia de Campos para Taubaté e de lá pegava outro pra Santos, com um intervalo de aproximadamente 1h30 entre as linhas. Parece bom, né? A pegadinha mora no fato de que, saindo de lá, parávamos em Caçapava, São José dos Campos, Mogi das Cruzes, Suzano, Ribeirão Pires e só então descíamos a serra em direção a Santos. Não parece tão ruim, à primeira vista, mas a conjuntura de fatores é que tornava a experiência tão desedificante.

Primeiramente, caso você não conheça a vetusta Taubaté, saiba que durante aproximadamente 90% do ano ela está uns 15ºC acima da temperatura de qualquer outro lugar, ou seja, saía do meu refúgio alpino com uma sensação térmica de “será se meus dedos congelam lá fora, hoje?” pra “OK, talvez ser atirado no Sol seja mais agradável que isso”. E nessa brincadeira, obviamente, uma crise avassaladora de rinite começava a se estabelecer, talvez uma tentativa do meu corpo de desviar minha atenção de todo o resto. Obrigado, corpo, mas você não estava ajudando em nada.

Subia no ônibus já abalado pela conjuntura, sabendo que dali pra frente, infelizmente, era só pra trás. Um suspiro breve de alívio se instituía passando por Caçapava e São José. Sobre a primeira, nada a declarar, passou completamente batida durante todo esse tempo. A segunda, pelo tamanho, sempre chamou um pouco mais a atenção, apesar de também não ser exatamente uma metrópole ultra fascinante. Acho que eu moraria por lá.

Antes de continuar lhes guiando através das bucólicas paisagens da Rodovia Presidente Dutra, vulgarmente conhecida como BR-116 (aqui o contrário também funciona, até porque Dutra foi um grandessíssimo canalha, pra dizer o mínimo), gostaria de tomar um pouco do tempo pra mencionar uma outra faceta dessa romaria reversa: estar dentro do ônibus.

Quis a entropia que meus genes produzissem um ser humano que ocupa muito espaço. Entrar no ônibus por si só já é uma tarefa inglória pra este que vos fala. Ocupar um banco de forma confortável, então, nem considero uma possibilidade.

A entropia, essa canalha, também quis - e continua querendo - que TODA VEZ A PESSOA DA MINHA FRENTE DEITE COMPLETAMENTE O BANCO. Eis o primeiro dos Quatro Cavaleiros do Apocalipse Veicular Coletivo. Menção breve sobre os outros 3: a pessoa que senta do seu lado e quer bater papo a viagem toda, a que passa muito mal, mas não se previne com um Draminzinho e falta expelir o próprio intestino, garantindo aquele aroma ácido agradabilíssimo pros companheiros de estrada e, por último, mas não menos importante, a que pede pra diminuir a potência do ar-condicionado, proporcionando à todos desconforto térmico, como se todo o resto já não fosse desconfortável o bastante. Voltemos à estrada, pelamordeDeus.

Saindo de São José, o ônibus roda mais alguns quilômetros pela Dutra até a entrada pra Mogi, cidade pela qual eu nutro muito carinho e de onde parte da minha família vem e ainda reside. Gosto de Mogi, mas pra azar dela - e meu - o ônibus sempre chegava lá em horário de rush. E isso também valia pra Suzano. E Ribeirão. E pra toda a extensão da Índio Tibiriçá, a estrada quase vicinal que liga todas elas até a Anchieta, que, convenhamos, também não é exatamente um exemplo de conservação.

Muitos congestionamentos e neblina depois, enfim, o ônibus iniciava a descida pra Baixada. Daqui pra frente, nada a declarar a não ser a profunda sensação de alívio em saber que só faltava 1/10 do caminho pra sair daquela situação. Traduzindo tudo isso pra algo mais concreto, essa viagem toda levava, em média, de 6 a 10 horas. Traçando um comparativo, o trajeto total de carro não passa de 3. É só isso mesmo que eu tenho pra dizer.

Alguns anos fazendo esse trajeto me empurraram em direção à alternativa, definitivamente menos extensa, mas com um “plus a mais”, como dizem os jovens, que era ir pra São Paulo e cruzar a cidade do Tietê até o Jabaquara de metrô, outra experiência que ainda hoje evito sempre que possível, apesar de agora precisar vivê-la com certa frequência em razão do trabalho. Pelo menos me pagam pra isso.

Enfim, encerro aqui meu desabafo. Apesar dos pesares, olho com certo apreço pra tudo isso, afinal de contas, querendo ou não, toda a experiência me deu um tanto bom de habilidades pra me virar em situações insólitas que provavelmente não teria aprendido de outra forma.

Eu agradeceria aos ônibus, às rodoviárias e à BR-116 mas, pra azar de todos, não sou tão complacente assim.

Até a próxima.